Tudo se resume a isso: a bola e o gol

Foto: Nick Potts/AFP

Durante a transmissão pela Espn da vitória do City de Guardiola sobre o Woverhampton, por 3 a 1, o excelente comentarista Mauro César Pereira levantou uma questão interessante sobre o tal sistema de posicionamento pregado por Dome Torrent, novo treinador do Flamengo, que, por sinal, não vi ainda ser esmiuçado por qualquer especialista com o catalão. Como quase tudo no jornalismo atual, é coisa tratada como mero clichê, que o rebanho replica em uníssono, de preferência recorrendo a alguma expressão em inglês, que é pra demonstrar erudição subserviente como bem cabe ao Brasil de hoje a serviço do Império.

Mauro citava a flutuação pelo meio de campo e ataque do genial De Bruyne como exemplo de que esse tal de posicionamento não significaria a estratificação dos jogadores em certas regiões do campo de jogo.

Bem, faz meio século, mais ou menos, que venho repetindo este mantra: futebol não é pebolim, em que os jogadores são perfurados por um cabo de madeira, estáticos, cada um na sua, e acionados por mãos invisíveis fora do tablado.

São seres humanos, móveis e voláteis como a vida, que ora aqui estão; ora, ali ou acolá.

Sim, claro, num movimento coletivo é preciso um mínimo de organização, muitos deles convencionais: nas ruas, as pessoas e os carros andam pela direita, na  maior parte do mundo, a não ser onde prevaleça a cultura britânica; os mais velhos e as mulheres têm preferência de passagem (hummm…) e assim por diante.

No futebol, desde a primeira organização dos sistemas de jogo, o espaço e o homem tiveram a preferência, a partir do clássico 2-3-5 até a profusão de números atuais, que mais se assemelham a uma lista telefônica – 4-4-1, 4–2-3-1 etc.

Todos eles cuidam da distribuição dos jogadores nos espaços do campo e, como resultado disso, o ataque ao adversário para impedir que ele jogue.

Até parece que a turma esqueceu do básico nessa história: o objetivo e o objeto do jogo.

O objetivo do jogo é o gol; o objeto, a bola. Resumindo: para chegar ao gol é preciso atacar mais a bola do que ocupar espaços e combater o adversário.

O mundo assistiu pasmo, em 1974, à única e revolucionária mudança no conceito do jogo, com o Carrossel Holandês ou Futebol Total da Seleção Laranja de Rinus Mitchels. E, por quê? Porque, pela primeira vez na história do futebol, o conceito aplicado em campo era o ataque maciço sobre a bola, que recuperada era imediatamente levada em direção à meta oponente. O espaço que fosse para o espaço: a bola era o objeto da ação coletiva. Nesse processo, quase não havia respeito ao posicionamento dos jogadores: o lateral virava meia, o centroavante, volante etc. Era como um chamado à era inicial de tudo, quando nem esquemas havia.

Lembro vivamente da patética tentativa do saudoso Paulo Amaral de explicar-nos na porta da concentração do Brasil na Alemanha o jeito que os holandeses jogavam. Enviado por Zagallo como espião, Paulo Amaral, puxou um maço de folhas de papéis e começou a explicar-nos como jogavam os holandeses, às vésperas do nosso confronto com eles “Olhe, o número 14 é o centroavante, mas não é; o 3 joga pela esquerda, mas ataca pela direita… Querem saber? Não entendi nada!”, concluiu atirando as folhas ao vento.

Pegue, por exemplo, o gol holandês contra a Alemanha na final da Copa: o centroavante Crujyff inicia a jogada na entrada de sua própria área, pra, na sequência de passes, surgir na área germânica e sofre pênalti, por ele mesmo convertido. Pênalti cometido por Voight, que o marcava homem-a-homem, do início ao fim da jogada.

Esse esquema jamais foi reproduzido na sua plenitude por time algum, nem mesmo a própria Holanda, desde então, por várias razões. Mas, seu germe ficou latente no Barcelona, dirigido à época pelo próprio Rinus Mitchels, sucedido por uma séria de ilustres compatriotas – Crujyff, Van Gaal e Reyjkaard.

Vale lembrar que Guardiola, nesse processo, estava sendo gestado no berço de La Masia. E, por certo, foi amamentado por esse leite batavo.

Basta observar como jogava o Barça sob seu comando, assim como o Bayern e agora o City: um 4-3-3 básico, com quatro zagueiros, sendo que os laterais atiram-se ao ataque o tempo todo, ora pelo meio; um volante apenas e dois meias no meio de campo; dois pontas e e um centroavante. Mas, todos se movimentam, alternam posições e tudo o mais, sempre de olho no objeto do jogo – a bola – e no objetivo final – o gol.

O espaço e o homem, nessa dinâmica, têm uma importância relativa, em nome da organização, Mas, o essencial é o domínio da bola e, consequentemente, levá-la às redes inimigas. Esse é o jogo. O resto tudo é sofisticado pretexto para evitar o essencial.

 

 

 

 

 

2 comentários

  1. A seleção da Holanda tinha 8 (oito) jogadores com o QI acima da média. Eles faziam a linha de impedimento como nunca foi feito, o principal conceito era o da equivalencia, me explico: Se um time tem um jogador capaz de jogar em mais duas posições ele equivale a três, imagine um time no qual tem pelo menos 8 (oito) jogadores capazes de jogar em três posições, teremos 24 jogadores equivalente no time mais os três teríamos 27 jogadores equivalente jogando com outro time que tem apenas 11 (onze). Claro que como tudo na vida dá trabalho e como o nível dos técnicos aqui e mundo afora é muito é ruim não aceitam mudanças, são o dono da verdade, não leem e outras cozitas mas. Aplicar este conceito em qualquer lugar é praticamente impossível, pois se fosse teríamos pelo menos um time jogando ou tentando jogar desta maneira. Fui Diretor de produção e apliquei esse conceito em quase todos os lugares no qual trabalhei com resultados excelente. Fica a dica se tem alguém afim de aplicar este excelente conceito é só me chamar que eu vou.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *