Que fim levou aquele garoto?

FOTO: LUCAS MERÇON/FFC

-E que fim levou aquele garoto?

Essa é a pergunta de Naldinho (Flávio Migliaccio) que encerra a história sem desfecho contada por Otávio (Adriano Stuart) sobre um garoto saído da mais profunda marginalidade que surge como um fantasma no escolinha de futebol do narrador, encantando a todos com sua esquerdinha mágica, e, que, de súbito, some pra sempre na fuga desesperada pela sobrevida nas sombras da miséria da cidade grande.

Falo de um trecho do filme Boleiros, de Ugo Georgetti, pequena obra-prima da cinematografia brasileira que revi pela décima vez ainda ontem na tv. E me pergunto mais uma vez que fim levou aquele garoto que interpreta com tanto esmero o marginalzinho dotado de tanta magia no trato com a bola?

Deve ter sido marginalizado nos testes que porventura tenha feito por aí pelos treinadores adeptos da força em vez do engenho.

O que leva a lembrar de uma entrevista que fiz no programa Na Linha do Gol, na TV Gazeta, com um garoto, canhotinho, prestidigitador da bola, chamado hoje de Denílson Show, então com dezessete anos, recém promovido pelo técnico Telê ao time titular do São Paulo sem sequer passar pela categoria de juniores.

Contava-me Denílson, então, filho de Diadema, na Grande São Paulo, que todos os seus amigos de infância, alguns deles com iguais dotes futebolísticos, estavam ou presos ou mortos.

O futebol foi a mão salvadora do rapaz, hoje travestido de apresentador de programas esportivos na tv, suponho que muito bem de vida. Ou terá sido Telê, um dos raros cultores do futebol-arte que beiraram nossos campos nas últimas décadas?

Estou dando essas voltas pra dizer o óbvio que parece escapar da mente do brasileiro: a de que a violência, os maus hábitos incorporados no futebol recente, é reflexo da violência crescente semeada nas últimas décadas pela miséria que gera a ausência de uma educação escolar decente e abrangente, único caminho pra reduzir a miséria e, consequentemente, a marginalidade entre nós.

E não só a educação pública, mas também a privada, geradora de uma elite e de uma classe média idiotizadas, tão reféns do medo da violência urbana a ponto de eleger o Coiso como chefete da nação, que, em vez de combater a violência, a estimula com atos e palavras.

Mas, de volta ao futebol, a questão é saber como será o mundo depois dessa terrível pandemia representado nos campos da bola.

Não dá pra prever agora.

Dizem que depois do vendaval vem a bonança. Torçamos que sim. Mas, nesse meio tempo, quando os clubes do mundo todo tentam achar uma saída para a volta progressiva aos treinamentos dos atletas e dos jogos, pelo menos, com os portões fechados, nasce uma esperança.

Na Coreia, uma fresta foi aberta, com a recomendação de que os jogadores evitem ao máximo o contato físico. Santa recomendação! Dessas que deveriam ser adotadas desde sempre e para todo o sempre.

Sim, porque os inventores do futebol, ao se separarem do rúgbi, abjuraram o uso das mãos e dos braços seja no contato com a bola, seja no contato com o adversário. Agarrar um inimigo era o supremo antijogo, passível de expulsão de campo.

Com o passar do tempo, os juízes, a torcida e a mídia esportiva foram ficando cada vez mais lenientes, até chegarmos ao ponto do estabelecimento daquela Sodoma e Gomorra na área a cada cobrança de escanteio. Os críticos, que deveriam ser críticos, passaram a ser coniventes, recorrendo à falsa imagem de que futebol é um jogo de contato. Contato, sim… com a bola. Falta é falta e fim de papo. Não faz parte do jogo.

Ah, mas se não for assim, o futebol perde a graça. Que graça? A de dois marmanjos se agarrando em campo, dando cotoveladas uns nos outros, trocando sopapos e rasteiras?

A graça no futebol está nas artimanhas, nas invenções, nos movimentos surpreendentes do jogador com a bola, isso, sim. E nas tramas coletivas, troca de passes envolventes, tabelinhas, cruzamentos perfeitos, enfim toda essa rica gama de repertórios em conjunto que o futebol nos ofereceu ao longo dos tempos.

Ainda agora, lendo com atraso o Dicionário Amoroso da América Latina, de Vargas Llosa, ao falar do Brasil, topo com um trecho que me permito reproduzir aqui:

“Nesse esporte, (o Brasil) se expressa de maneira privilegiada a capacidade criativa de sua gente, a alegria, a picardia, o ritmo, a sensualidade e a graça, virtudes que também estão atuantes na sua música. Sempre fui um admirador fervoroso do futebol brasileiro porque é um futebol que tem tanto de espetáculo e de rito, de festa e de dança, como tem de esporte”.

Bem, essa imagem é a que o futebol brasileiro espalhou pelo mundo afora desde Os Reis do Futebol, como os franceses batizaram o Paulistano de Friedenreich até o nosso tão desprezado Neymar, passando por tantos craques e times históricos, sem falar em Pelé,  apesar dos ingentes esforços desenvolvidos por técnicos, torcida e mídia pra apagar de vez essa imagem.

Ouso, contudo, dizer que essa visão onírica do futebol brasileira vai se esgarçando na medida em que o próprio brasileiro apaga de seu prontuário a figura de um povo alegre, cortês, festivo, solidário e inventivo, pra se transformar num rebanho estúpido que segue a moda ditada pelos facke-news e o fast-food, que toma café frio em copos de plásticos, andando pelas ruas como se estivesse na Quinta Avenida, toma cerveja do gargalo, empina o dedo médio mandando alguém àquele lugar (o céu, será?), mal sabe falar seu próprio idioma, que dirá escrever, mas corre em busca de uma vaga nas tantas escolas de inglês que povoam nossas cidades, que passa a vida sem abrir um livro sequer e cujo sonho maior é viver em Miami.

Já tivemos dias melhores, ou mais dignos, na pior das hipóteses

 

 

5 comentários

  1. Helena mais uma vez tiro o chapéu para você.
    Parabéns ! Que bom seria se essa pandemia (até rimou), servisse para o mundo voltar ao verdadeiro futebol.
    Contato só com a bola.
    Espero que nos brinde por muito tempo com suas excelentes e deliciosas crônicas.
    Grande abraço.

  2. Alberto Helena Jr.

    Como vai meu amigo ? Espero que tudo bem com você, se cuide meu amigo que o bicho está pegando, continue nos brindando com textos que me arremetem ao passado de um jornalismo, sério, não clubista, imparcial e provido de ética profissional, coisa que não se vê na mídia de hoje em dia em que pululam torcedores travestidos de pseudos jornalistas que se auto intitulam “especilistas” mas que podem ser chamados de “espones” especialistas de p**** nenhuma “apenas” defensores de seus clubes de coração sem nenhum pudor ou ética, passando a mão na cabeça de seus clubes de coração. Saudações palmeirenses.

  3. Jota, saudades das nossas ” tretas” amigaveis e de ganhar de vcs no chiqueirinho…
    Se cuida , espero que possamos ” brigar” mais, logo e por muito tempo.
    Abçs alvinegros bi mundial.

    1. Tião Fiel

      E aí meu amigo ? Espero que tudo bem como diz a molecada tudo suave na nave também estou com vontade de voltar o futebol para brincar com os amigos que fiz aqui no blog como você amigo Tião, espero que você esteja se cuidando usando luva branca e máscara verde certo, porque o “bichinho o tal de corona virus está pegando todo mundo se ele fosse da galera diria que hoje está tudo dominado mas espero que a situação se reverta notícias de vários grupos de cientistas espalhados pelo mundo inclusive aqui no Brasil em pesquisas muitas delas já avançadas, inclusive testando já em humanos, para combate essa pandemia e tentar nos prevenir efetivamente deste virus, a mim pessoalmente que estou no grupo de risco por razão tripla com meus 65 anos, com minha hipertensão arterial e minha arritmia cardiaca não resta outra alternativa senão me trancar em casa e viver na base do delivery (farmácia, mercado, etc) porque se bobear o cachimbo cai mas vamos na esperança de tudo voltar ao normal para voltarmos aquelas provocadas de amigo no campo desportivo, se cuida meu amigo com máscara e luvas se puder. Um abraço e saudações palmeirenses.

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