O velho e o virus

O velho já perdeu a conta dos diasem que está acuado em sua caverna do Grão Ducado de Ibiúna. Passa o tempo assistindo a  velhos seriados de tv, ouvindo sambas e canções antigos cujos versos sabe de cor e salteado, e relendo livros empoeirados sepultados uns sobre os outros em suas estantes.

Nos intervalos, espia da varanda as primaveras desfolhando com a chegada do outono, o verde se estendendo entre os pinheiros altos, saltando sobre o regato ainda intumescido pelo verão frio e tempestuoso que se esvai, até atingir os cumes distantes.

Em meio a esse cenário aprazível, busca o inimigo mortal, invisível, o vírus que persegue os velhos, assim como os jovens, os virtuosos e os pecadores, qualquer um que apanhar primeiro no seu caminho imprevisível e letal.

Trata-se de uma dessas pragas que, vez por outra, atingem a humanidade incapaz de tirar fundos ensinamento dessa angústia temporária.

Há quem diga que a Renascença nasceu da Peste Negra que devastou a Europa na Idade Média. Pode ser, quem sou pra duvidar de qualquer coisa dita pelos mais sábios? Mesmo porque, depois da tragédia, sempre vem o alívio que pode ou não representar um avanço.

O certo é que o isolamento tem o poder de provocar reflexões, lembranças…

E o velho acaba de se lembrar de um episódio curioso ligado por fios  insondáveis a essa pandemia.

Quando ainda jovem, certo dia reencontrou na Praça da Biblioteca uma amiga, a Geralda, namorada do Geraldão, o Geraldo Fiúme, uma das três vertentes básicas do samba paulistano (as outras duas são Adoniran e Paulinho Vanzolini). Negra, socióloga, doce e culta moça, surpreendeu o velho, então moço, com a declaração de que havia se transformado em mãe de santo. E, que recebera uma mensagem outro dia. Disse, então, ao velho-moço que ele era dotado dos dons pra ser até presidente da República, se quisesse, embora isso, hoje em dia, não seja parâmetro de excelência.

– O que te impede é essa preguiça atávica. – arrematou.

E concluiu: o encosto (o atraso) era a sombra de um gordinho careca que acompanhava o velho-moço vida afora.

Perguntando aqui e ali o velho-moço descobriu que esse gordinho careca seria ninguém menos que seu avô Emílio, corretor da Bolsa de Café que passava as noites nas cantinas do velho Brás desfiando stornelli romani ao som de uma guitarra vadia. E que morreu moço ainda durante a famigerada Gripe Espanhola, em 1919.

O velho-moço soube disso pelo pai, que, à época, contava, assistia apavorado ao desfile pelas ruas do bairro de carroças  lotadas de defuntos, abatidos pelo virus maldito.

Praga vem, praga vai, o conhecimento científico dá saltos prodigiosos, a tecnologia avança velozmente, mas o homem segue sendo o mesmo, presa de três impulsos primitivos inalienáveis: o sexo, o medo e a ambição. O sexo, ditado pela necessidade da preservação da espécie, o que gera o medo da extinção; e a ambição pra alcançar o falso cume onde estará ao abrigo de todos os perigos que o cercam desde o primeiro vagido.

NA LINHA DO GOL

Pra não dizer que não falei de futebol, parodiando meu velho chapa Vandré, lá vai minha sentença final sobre o ainda imprevisível recomeço da bola rolando nos gramados em terras tapuias, assoladas por uma endemia secular – a burrice (ah, que falta nos fazes, Stanislaw, embora o Macaco Simão esteja por aí despencando dos galhos em gargalhadas homéricas): entregue-se a taça do Paulistinha ao Mirassol e acabemos de vez com esse entrave chamado de campeonato estadual, sem se mexer no sistema de disputa do Brasileirão, mesmo que ele avance o próximo ano.

A partir daí, definitivamente, que se reserve um mês para os estaduais dos grandes centros, quando esses torneios passariam a ser disputados no formato de copas, e que o Brasileirão assuma sua grandeza e importância, abrindo as devidas datas pra Seleção Brasileira e demais certames internacionais. Passada a pandemia, será a hora de enfrentar a endemia com seu antídoto realmente eficaz – a lucidez.

 

 

 

2 comentários

  1. Mestre Helena que saudade de seus textos! Talvez fosse a hora de rever os altíssimos salários pagos no futebol e investir mais em ciéncia e saúde. E sobre o nosso calendário, se não adequarmos agora nunca mais . Esquece. Não é só do covid-19 que temos que nos livrar não meu….

  2. Alberto Helena Jr.

    Caro amigo estou eu aqui na aprazível cidadezinha do interior de São Paulo onde moro, com seus 40.000 habitantes (toda a população cabe dentro do Allianz Parque e ainda sobra lugar) e na faixa etária que é considerada de risco (triplo port sinal) por idade 65 anos, por hipertensão arterial e arritmia cardiaca, estou trancado literalmente dentro de casa há mais de um mês, alimentação, mercado, farmácia tudo por delivery mas apesar dos percalços com uma grande esperança de que esta pandemia logo passe, pois torço pelo time da esperança (verde e branco) de Parque Antartica, espero que não se percam mais vidas humanas além das que Deus já veio buscar através deste virus que ninguém me tira da cabeça tratar-se de um “acidente” chinês ocorrido em laboratório, talvez uma nova composição de arma biológica que saiu de controle e se espalhou pelo país asiático e pelo resto do mundo ceifando vidas e não escolhendo nem raça, nem cor, nem idade, graças a Deus este virus não está atacando as crianças pelo menos não se sabe de grande número de óbitos os pequeninos porém como dizia meu avô Deus não dá uma cruz que não possa ser carregada, se estiver pesando muito devemos arrasta-la e prosseguir em frente. Este virus veio talvez para mudar o modo como o ser humano mude o mundo tratando as pessoas como as pessoas deveriam se tratar se ajudando, se auxiliando inclusive os mais necessitados e desvalidos, juntos porém separados fisicamente seremos mais fortes, não tenho uma chacara maravilhosa na idilica Ibiuna mas tenho meu cantinho bem ajeitadinho para observar todo dia o por do sol na esperança de um novo dia feliz.
    Saudações palmeirenses a todos e se cuidem.

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