História vivida, mais um retrato da trajetória corporal

 

Quando eu penso nas aulas de Educação Física do Ensino Fundamental, não tenho memórias muito boas, particularmente. Nunca fui uma aluna que gostava e participava fortemente das aulas, ao contrário da maioria dos meus colegas.

Cursei todo Ensino Fundamental em uma escola Municipal de São Paulo e tive diversos professores de Educação Física durante esses anos de aprendizado. Nesse período, somente duas professoras proporcionaram–me participar das aulas de maneira que eu gostasse mais, uma vez que fugiam do padrão da maioria dos docentes que resumiam suas aulas ao futebol, handebol, vôlei, basquete e queimada, e nos apresentavam brincadeiras e adaptações desses jogos.

Nessa escola, e acredito que em outras também, existe uma divisão consequente e não intencional entre os alunos que se desempenham bem, adoram as aulas, participam e destacam-se, e aqueles que simplesmente não participam ou não se sentem bem participando por se acharem inferiores (eu estava incluída nesse grupo). Dessa maneira, criam-se panelinhas que são os times. Sempre os mesmos. Quando acontecia de o professor deixar que os alunos escolhessem seus times, eu tinha certeza que seria uma das últimas a ser escolhida, e quando eram sorteados, era triste ver a expressão de “desgosto” de algumas pessoas quando eu ficava em seus times, simplesmente, por não me desempenhar tão bem quanto eles. Acredito que eles achavam que eu iria atrapalhá-los. Por esse motivo, eu sempre evitava as aulas. Ia sem uniforme para não participar e levava falta ou fazia algum trabalho enquanto os jogos aconteciam, dizia que estava doente e usei tanto essa desculpa que nem acreditavam mais em mim. Não sei dizer se o meu problema atualmente é realmente com alguns jogos ou com a maneira que eu os vejo por minhas experiências passadas, já que desde pequena, escuto muito as pessoas dizendo para eu me mexer, sair do lugar ou me perguntando se eu tenho medo da bola, o que me envergonhava e diminuía ainda mais o meu desempenho, consequentemente, fazendo-me participar menos das aulas práticas. Com isso, até hoje tenho grandes dificuldades em realizar as atividades físicas da mesma maneira que meus colegas.

A professora que me deu aula desde o sexto ano utilizava um método que funcionava assim: no início do ano, nós erámos testados conforme o nosso desempenho em determinada atividade que ela passava (a única que nós erámos obrigados a participar durante o ano todo, que era, geralmente, alguns minutos correndo ao redor da quadra) e durante o resto do ano as aulas eram “livres” e cada aluno fazia o que quisesse, inclusive nada. Por isso, nossas aulas ficavam entre um grupo jogando futebol, outro jogando queimada e algumas pessoas conversando ou mexendo no celular.

Conforme fui crescendo, perdi parte dessa vergonha e medo, o que não muda o fato de eu possuir dificuldades para realizar determinadas tarefas nas aulas de Educação Física. O que mudou é que eu percebi que preciso encarar minhas dificuldades e obstáculos.

Nos anos mais recentes, desde a sétima série, comecei a participar mais das aulas quando uma outra professora substituía ou juntava-se com minha professora de Educação Física e propunha atividades de dança. Encontrei-me na dança. É uma atividade na qual eu consigo me soltar e me sinto bem ao realizar. Aconteceram diversos campeonatos dos quais eu participei. Quando tínhamos alguns eventos na escola, coreografias eram ensaiadas e apresentadas. A dança era uma das únicas atividades físicas de que eu realmente gostava. Isso fez com que minha auto confiança aumentasse e eu comecei a participar mais até mesmo daqueles jogos dos quais eu não gostava. Mas assim como as outras atividades eram exclusivas, a dança também era. Não eram todos os alunos que gostavam de participar, da mesma maneira que acontecia com os jogos.

O conjunto desses fatos empíricos faz-me pensar nas minhas antigas aulas de Educação Física como um cenário exclusivo, onde nem todos gostam de participar das minhas preferências e nem eu das deles, e onde a maioria das pessoas não se esforçava para incluir o outro na sua zona de conforto.

Almejo um ambiente onde todos gostem de participar das mesmas coisas ou que pelo menos as pessoas se ajudem e tentem fazer os outros se sentirem bem, adequando as atividades ao seu desempenho para que ninguém se sinta excluído. No Instituto Federal, sinto que esse meu desejo se realiza, uma vez que me sinto bem nas aulas de Educação Física. Mesmo que eu tenha dificuldades por conta do meu passado, tiro das experiências desagradáveis, uma oportunidade para superar a timidez, o medo e os obstáculos. Atualmente, aprecio muito a maneira com que acontecem as aulas de Educação Física na instituição que eu estudo. A vida nos traz diversas situações e nós precisamos saber como tirar proveito de todas elas.

Texto da aluna GABRIELE ALVES DOS SANTOS, do primeiro ano do ensino médio.

2 comentários

    1. Olá, Bruna
      Realmente, um excelente texto para fazer pensar os professores e professoras.
      Nosso objetivo é permitir a construção de conceitos sobre a Educação Física Escolar, relegada assim como todo o ensino em nosso país.
      Abraços
      Daniel

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