Bateu saudades dos tempos de Pelé

O ano começou diferente. Um dia cinzento. Um silêncio assustador. Nada de crianças brincando na rua. Pessoas orgulhosas passeando com belos animais, cachorros de todas as raças. Será que o tempo parou e não percebi? Estou mesmo com um buraco na alma. São Paulo está vazia e falta alguma coisa.

Pensei nos entes queridos que partiram. Meu pai, o Velho Chico. Zezé, minha querida mãe. Vó Amélia, a mulher de verdade. Pedro e Paulo, talvez, filhos tão jovens, bonitos e com uma vida pela frente. Talvez um amigo de infância, Fábio, outra tragédia marcada na minha alma.

Não. De um jeito ou de outro, descobri um sentido nessas tristes experiências e sigo em frente. Já sei! Fiquei sem ganhar presentes de Natal. Afinal, 2022 foi osso duro de roer. Ninguém tinha dinheiro para jogar fora. Não. Também não se trata disso. Resolvemos que íamos esquecer mimos natalinos, fugindo de juros absurdo das mercadorias e consequentemente dos cartões de bancos, cujos donos foram para o Exterior, gastar lucros absurdos obtidos com nosso esforço e trabalho.

Era outra coisa a me incomodar. Algo corroendo minha alma. Me deu vontade de reencontrar os amigos de infância. Carlão,  Wilson, Zé Preto, Tata, Valdir, Ivan, Milton, Regis, Salvatore, Edu, Daniel e o meu cunhado Carlos, que  casou com minha irmã, Terezinha. Passar a madrugada batendo uma bola na rua, estourando as “tampas” dos dedos naqueles paralelepípedos das antigas. Doía para caramba e a gente nem ligava para os ferimentos. A “medalha” era a ferida com sangue pisado.

Veio à mente uma bola. Redondamente simples. As de hoje, então, são macias, lisas, rápidas. Quando era moleque a turma usava as feitas de couro, costuradas por presidiários, que tinham bigolin (se enchiam com bomba de bicicleta e tinha que afundar aquele troço para dentro). Era difícil. Mas lá estava o açougueiro do bairro, Seo João, para empurrar com jeito e força o danado para dentro da esfera. Ele também arrumavam sebo para a gente untar a “criança”.

Um domingo com hoje, dia 1º do ano, íamos a pé da Pompéia ao Pacaembu (uns 5 quilômetros), palco de grandes espetáculos, rachas incríveis entre Corinthians e Palmeiras, Santos e São Paulo. Isso quando não vinham os cariocas, mineiros e equipes de outros Estados lotar aquele “Templo Sagrado”. Nós, todos moleques, pulávamos os muros da rampinha, subíamos na marquise e outras loucuras de infância. Tudo de graça e com emoção.

O “Parque Antártica”, também era nossa “vítima”. A tática era a mesma. Pular os muros da rua de trás da Turiassú, ou subornar o porteiro, com moedinhas “arrecadadas” com muito esforço, dos bolsos do pai e da bolsa da mãe.

É isso. Amanheci com saudades do futebol. De jogar até cansar, ou seja, o dia inteiro; e de assistir aos grandes jogos. Craques e ídolos faziam parte daquele cenário pacato, inocente e feliz. Todos queríamos ser Ademir Da Guia, Garrincha, Rivelino até Pelé.

Principalmente Pelé.

Vocês não fazem ideia da emoção de vê-lo jogar. Aquelas arrancadas, os dribles, passes impossíveis, posse de bola, cobranças de falta, cabeçadas. Tudo isso pelo meio, para cima dos beques, que ficavam desnorteados, de boca aberta, sem saber se rachavam a pelota ou o endiabrado camisa 10.

Nas tardes de domingo não reinava apenas a “Jovem Guarda”, com Roberto Carlos. No Pacaembu, outro Rei era aguardado e reverenciado. Poucos meninos torciam para o Peixe. Contudo, corríamos como loucos para sentir a catarse de ver um futebol de outro planeta. Ríamos, vibrávamos, arregalávamos os olhos. Era um espetáculo. Gols de pé direito, esquerdo, de cabeça, joelho, coxa, calcanhar e qualquer outra parte do corpo, que lhe servia de instrumento para estufar as redes dos pobres goleiros adversários. Não era um homem e sim uma força da Natureza, como um vulcão, uma tempestade ou um tsunami.

É isso. Estou com saudades de Pelé. O vazio no peito vem daí. Esse negócio de dizer que morreu o Édson e o Pelé é eterno, não passa de um jogo de palavras para consolar nossos corações. Na realidade, Pelé não existe mais. Hoje pertence à história, virou lenda, uma lembrança. Infelizmente é o que acontece com quem se vai para sempre. É o ciclo: nascer, viver e morrer.

Edson ou Pelé deixaram de existir. O mais conhecido e honrado brasileiro de todos os tempos chegou ao fim. Parece mentira. Aquele deus negro, valente, astuto, genial, forte como um tufão virou saudade. E esse sentimento esmaga o peito, entristece, faz a gente lacrimejar.

O dia amanheceu igual a tantos outros. Só que sem o incrível Pelé. Saiu da vida para entrar para a história. Brasileiro raiz. Quem pagou para ver, viu. Quem não viu, não verá jamais. Nunca mais será feliz como eu e minha turma da rua Miranda de Azevedo e do Colégio Claretiano fomos. Pelé não é eterno. E essa é a tragédia. Já vi muitas e vou ter que conviver com mais uma. Acordei choroso e com uma saudade imensa daqueles tempos.

A nostalgia está em mim. A nausea sou eu.

E tenho dito!