As “ditaduras” da Copa

Repórter Alexandre Silvestre cobre a Copa do Mundo do Catar (Foto: Arquivo pessoal)

Por Alexandre Silvestre

Catar 2022. Um sonho. Enfim, minha primeira Copa do Mundo, de verdade. A do Brasil foi em casa, nem conto. O primeiro Mundial de Futebol no Oriente Médio é um fato histórico. Sou testemunha ocular e um privilegiado.

Doha abre suas fronteiras para todas as nações celebrarem o esporte mais popular da Terra. Conviver com hábitos e costumes tão rígidos e bem diferentes dos ocidentais (brasileiros então…) é um enorme desafio. Dos costumes do dia-a-dia, tocando na religião e batendo de frente na liberdade de expressão, eu que já viajei pela América do Sul, do Norte (EUA) e Europa, tenho sofrido esse impacto na pele.

A relação com o povo daqui tem sido a melhor possível. Formada basicamente por indianos, africanos do norte e de países árabes vizinhos, a população do Catar é um doce. Gente humilde e trabalhadora disposta a me dar a mão, trocar ideias mais profundas quando eu insisto e rir muito com minhas maluquices. Ser brasileiro aqui abre portas e sorrisos: “Bressil”! … “Nêimarrr”!… Samba. Mas há sempre uma desconfiança no ar.

O país vive sob forte ditadura. O ‘Sheik’ manda, o povo obedece. Uma sociedade controlada para manter os pouco mais de 2 milhões de habitantes debaixo das asas do Governo. Na era das comunicações, muitos sites e plataformas de interação são bloqueados. Homossexualismo é crime. Demonstrar afeto em público não é recomendável.

Se o Catar se flexibilizou um pouquinho para receber a Copa e mostrar uma imagem mais “light” ao mundo, por outro lado, ao se juntar à poderosa Fifa torna esse território um campo onde é preciso pisar em ovos.
Como repórter, ou você paga ou não consegue fazer nada. Uma alternativa é mostrar o ambiente externo dos jogos. Assim mesmo, a censura muitas vezes aparece na esquina com um gesto nada amistoso.

Hoje mesmo, ao entrar no colossal Centro de Imprensa onde milhares de jornalistas trabalham até altas horas da madrugada todos os dias, bati boca com um segurança. De uniforme policial, o cidadão encrespou comigo. Eu carregava meu celular com a câmera aberta antes de passar pelo detector de metais e este sujeito torceu o nariz: “No camera”! Eu disse: “Aqui não é o centro de imprensa? E não estou gravando”. Outros três homens de preto me cercaram e me obrigaram a abrir minhas fotos e vídeos para comprovar que eu não havia apertado o botão do REC. Confesso que meu sangue ferveu com tamanha invasão de privacidade. Percebi, entretanto, que era melhor não contra argumentar, mostrar o que eles queriam ver e sair de fininho fazendo cara de paisagem.

Dois dias antes o abacaxi foi com uma garrafinha plástica de água. Fiquei travado no acesso por 10 minutos. Imaginei que fosse o conteúdo líquido que estivesse estressando os fiscais. O problema era o rótulo de papel. Eles o arrancaram e me alertaram que não era permitido. Deduzi um conflito de interesse de patrocinadores do evento.

Ontem, descobri um “oásis” no Centro de Imprensa. Literalmente o nome do bar. Sim, um bar com música ocidental, hambúrguer, cachorro quente e um monte de ingleses enchendo a cara.

No Catar o consumo e a  venda de álcool são controlados. Questões de Estado. Para tal, você precisa de uma licença por doses limitadas de prazer. Mas neste “Oásis”, que opera das 11 da matina até às 2 da madruga, a cerveja rola solta. Custa, em média,15 dólares para ser consumida ali e em nenhum outro lugar.

Antes de dar um gole na gelada com colarinho, segurei a ansiedade e liguei meu equipamento para registrar o momento raro em Doha, onde petróleo, ouro e pérolas são abundantes na natureza, como a  água de nossos rios e os minérios do nosso solo.

Luzes, câmera, ação e… pimba! Lá vem o guardinha. Dessa vez, humilde e acanhado, pedindo pra eu desligar e mudar de local. Mostrou-me a placa com o desenho de uma câmera e um X vermelho por cima pregada na porta de entrada. Ameacei discutir, mas poupei meu tempo e saliva. Fui mais rápido do que ele. Já tinha feito o vídeo e guardado no meu arquivo virtual. “Jeitinho brasileiro” do bem, por um propósito nada antiético dentro da “minha” ética.

Contei uma piadinha de bom malandro, bajulei o amigo, mudei o assunto e despistei o pobre coitado que fazia o trabalho dele. Dei um gole daqueles, gostoso, enchi o bigode de espuma e disparei o vídeo na rede social. Pronto. Sou brasileiro e não desisto nunca, seja onde for.

A historinha está nas minhas redes sociais e nas mídias da Gazeta Esportiva.

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