Nenhuma atividade do homem justifica punição disciplinar por incapacidade. Os únicos atos que podem e devem dar base a punição são os que ferem a ética, que são fruto de desvio de conduta. Os menos capacitados não devem ser punidos, mas instruídos, treinados.
Quando exercíamos a função de Ouvidor de Arbitragem da CBF, em resposta aos pedidos de punição aos árbitros, feitos pelos clubes que se sentiam prejudicados, respondíamos: “Nenhuma atividade do homem justifica punição disciplinar por incapacidade. Os únicos atos que podem e devem dar base a punição são os que ferem a ética, que são fruto de desvio de conduta. Os menos capacitados não devem ser punidos, mas instruídos, treinados”.
Assim deve ser com os árbitros que erram e com os jogadores que perdem gols e pênaltis. Instrução. Treinamento.
Pois bem, não obstante esse princípio e do qual não nos afastamos, Wilson Seneme pensa bem diferente e tem punido os árbitros que integram a CBF em razão de erros em lances de visão e de interpretação.
A gravidade da questão, todavia, não se limita à divergência do nosso ponto de vista, de nossa filosofia, pois isto teríamos que suportar e, até, para ser civilizado, respeitar. Afinal, cada pessoa tem a visão da vida e de seus princípios na razão direta de suas formações. O que julgamos mais grave é que as punições têm sido abominavelmente seletivas, ou seja, de acordo, com o prestígio de cada árbitro; dependendo do efeito dos erros nos resultados das partidas, descompromissadas, pois, com a boa técnica de arbitragem; na proporção do barulho e da “importância” do clube que o faz, revelando ausência de independência e de diretriz coerente e consistente da Comissão de Arbitragem e da própria CBF, cujo comando mais elevado não pode descuidar de tal faceta, conquanto sem interferir tecnicamente, tampouco no critério de indicação dos árbitros. Afinal, Seneme foi contratado a peso de ouro para solucionar, vez por todas, os problemas da arbitragem brasileira.
Não convence o pretexto de que as punições seriam para inclusão dos árbitros no PADA (Programa de Assistência e Desenvolvimento da Arbitragem), que Seneme ingenuamente divulgou como sendo novidade.
E não convence:
a) Primeiramente, porque não há notícia do tipo de treinamento a que os árbitros suspensos, tampouco o período a que seriam ou teriam sido submetidos. Aliás, sequer há comprovação do trabalho deveria ser realizado;
b) também porque o fato de um árbitro cometer algum erro, em especial de visão, não de técnica de arbitragem, não justifica, imperiosamente, sua inclusão no PADA;
c) prosseguindo, porque quando se trata de árbitro FIFA, Master e, até, de outra categoria, mas já bem qualificado, o treinamento deve envolver questões mais emocionais e de concentração, pois todos eles sabem as regras e a técnica de arbitragem sobejamente. Todavia, a CA-CBF não dispõe do correspondente suporte, pois dispensou a psicóloga especializada da gestão anterior e não se tem notícia da contratação de substituta (o);
d) indo adiante, ainda é certo que o retorno dos árbitros afastados em jogos das séries B e C, ou em jogos de menos apelo público, revela, apesar de esta ser uma visão utópica, discriminação da própria CBF entre as competições que coordena. O correto, assim, seria verificar se o árbitro estaria apto em razão dos próprios treinamentos e designá-los para os jogos adequados, independentemente de categoria.
Diante de tal contexto, vale ressalvar que apenas somos contra às punições, não aos treinamentos, pois eles são a base do desenvolvimento de qualquer profissional.
De outro passo, é preciso reiterar que todas as celeumas de nossa arbitragem, afora a elevada complexidade de alguns lances; o desconhecimento geral sobre a matéria; a cegueira provocada pela paixão que o futebol enseja etc. etc., nasce, principalmente, como dissemos em nossa coluna de 10/07/2023, aqui em blogs da gazeta esportiva, intitulada Raio X da Arbitragem Brasileira, da filosofia de subjetivismo que reina nas análises de nossas arbitragens: “empurrou, segurou, mas não foi para tanto”; “o atacante valorizou”; “não houve impacto”; “não foi suficiente para derrubar”, como se uma falta se caracterizasse apenas quando um jogador cai etc. etc., em lugar de darmos mais valor aos fatos objetivamente e de acordo com a regra. Falta: empurrar um adversário; segurar um adversário; calçar ou tentar calçar um adversário …”, que afastam o subjetivismo acima e deseducam nossos jogadores, pois com tal sistemática de interpretação eles são estimulados a segurarem, a empurrarem, a darem calço, a fazerem entradas etc., desde o façam “devargarinho”, “deslocando pouco, empurrando ou segurando pouco”, “desequilibrando pouco”, “não ostensiva ou acintosamente”, como se os árbitros tivessem capacidade para medir se a força empregada foi ou não capaz para deslocar, derrubar, afora, obviamente, situações claramente abertas e que revelem simulação, que, igualmente, deve ser punida. É essa sistemática de interpretação que fere a regra e que tem conduzido nossa arbitragem à insegurança, à instabilidade. Na coluna a que nos referimos, o caro leitor encontra mais elementos sobre tal ponto de vista.
Por conta de todo esse imbróglio, a dificuldade que a Comissão de arbitragem enfrenta, após as rodadas da Copa do Brasil, para se
posicionar coerentemente e não confirmar nossa opinião sobre as punições seletivas é muito grande.
Com efeito, os lances decididos pelo muito eficiente, mas não infalível, Wilton Sampaio (pênalti marcado contra o Bahia no jogo com o Grêmio, contrariando tudo que há para se analisar as infrações de mão: bola de surpresa, após um desvio significativo de sua trajetória; posição da mão/braço compatível com o movimento; distinção entre situação de bloqueio e de disputa e, além disso, o efeito tática da suposta infração, pois neste lance quando a bola tocou no braço do defensor do Bahia não tinha mais o endereço da meta e, portanto, não caracterizaria, se infração fosse, ataque prometedor.
De igual modo e na mesma partida, a não marcação do tiro penal a favor do Grêmio, em jogada que seu atacante foi segurado pelo tórax e pela camisa, que, se comparado com o gol anulado por Anderson Daronco, no jogo Palmeiras e São Paulo ensejariam decisões iguais.
Este último lance mereceria decisão idêntica, na visão da Comissão de Arbitragem da CBF, à do pênalti marcado por Bruno Arleu, no jogo Santos X Goiás e que ensejou sua punição. A propósito, deve ser dito que o penal marcado por Arleu foi muito claro, uma vez que a carga foi feita fora da disputa da bola e não para ganhar espaço, ou seja, apenas para impedir o adversário de jogar.
Como se não bastasse, a ação praticada pelo defensor do Goiás, além de poder ser enquadrada como carga faltosa, como demonstrado, ainda tem previsão especifica e literal na regra 12, Faltas e Incorreções. Lá está dito, que será marcado um tiro livre direto ou um tiro penal se um jogador “impedir o avanço de um adversário”. Neste lance, assim, houve falta pelo ângulo que se pretenda analisar, pois é indiscutível que o defensor do Goiás deixou de participar da jogada e, pois, de tentar jogar a bola, para impulsionar seu corpo contra o do atacante, justamente para impedi-lo de participar do lance. Se o atacante alcançaria ou não a bola, já que ele estava no contexto da jogada, ao lado de ser irrelevante, não pode superar o elemento objetivo da ação do defensor: impediu deliberadamente o avanço do adversário. Vale, por fim, registrar que o fato de tal situação ser pouco comum, não exclui sua natureza de infração, sob pena de desconsiderarmos a regra e, assim, desrespeitarmos o princípio da legalidade.
O que os jogadores têm que fazer, essencialmente, é tentar jogar a bola e dirigir toda sua energia para tal fim. Logo, se assim não agem, não podem ser protegidos por suposições, sobretudo que contrariam a regra do jogo. Os contatos permitidos em futebol não são os que a regra proíbe.
Por fim e por conta de tudo:
a) voltamos a insistir que a Comissão de Arbitragem da CBF, para o bem de nosso futebol; para revelar sua independência; e, principalmente, para não desestabilizar emocionalmente nossos árbitros, se afaste dos critérios subjetivos, dando mais valor aos fatos;
b) insistimos que a CA-CBF evite expor os apitadores a punições sem base ética, que nada resolvem, muito menos para dar satisfação aos “gritantes” e, pior ainda, na razão da “força de suas gargantas”;
c) entendemos que a CA-CBF deve definir, de uma vez por todas, até para respeitar o princípio da legalidade, que o VAR atue apenas para corrigir “erro claro, óbvio”, que já pode ter oscilação, em lugar de buscar a “melhor decisão”, que é uma verdadeira corda bamba para o futebol; e
d) que a CA-CBF não descuide da filosofia de prestigiar mais os árbitros que mais acertam, independentemente de nome e de suposta aceitação – designação de árbitro não pode ser ato político;
e) finalmente, que a CA-CBF não deixe de compreender que um ou outro erro, em especial em lance de fina interpretação, faz parte tanto da atividade, como é próprio do ser humano. Nesse passo, deve dizer: nosso árbitro errou, mas continua merecendo nossa confiança técnica e será novamente designado, logicamente que considerando o todo das atuações.
Ao leitor a palavra final.