Quanto mais são subjetivos os critérios de arbitragem, menos consistentes e lógicas são suas decisões e, por consequência, o mundo do futebol cada vez mais se sente inseguro sobre o que é certo ou errado; sobre o que é ou não é falta.
A arbitragem brasileira, contrariando o prognóstico alardeado por Wilson Seneme, presidente da Comissão, no sentido de que após os treinamentos realizados sob seu comando tudo se resolveria, passa, dia após dia, por momentos cada vez mais difíceis, em razão de decisões equivocadas e sobretudo conflitantes entre lances muito análogos, senão iguais.
O mais grave é que Seneme tem sustentado como corretas algumas decisões, talvez para esconder erros (os árbitros nem precisam nem querem essa proteção!), mas que o colocam em palpos de aranha quando, no “dia seguinte”, há uma decisão conflitante com a anterior sobre o mesmo tipo de lance.
Para ilustrar, lembramos do tiro penal assinalado a favor do Palmeiras contra o Fortaleza, pelas oitavas de final da Copa do Brasil 2023, quando houve falta indiscutível do atacante do Palestra Itália, que derrubou o defensor do Leão do Pici, com uma carga faltosa, cuja queda provocou o contato acidental de sua perna com a do atacante e que Seneme entendeu que não houve falta do dianteiro, mas que houve penal.
Contraditoriamente, todavia, no jogo do próprio Palmeiras contra o Bragantino, Endrick foi segurado pelo goleiro adversário e foi derrubado, mas Seneme sustentou que Endrick fez carga faltosa no goleiro, pois este teria “proteção” (sic) da regra porque suas mãos estariam no ar! Erro de fora a fora: não houve falta de Endrick, que apenas se posicionou para disputar a bola e sem, sequer, fazer carga, quando, aliás, até poderia, pois estava no contexto da jogada; houve o tiro penal; e o goleiro não tem a proteção a que Seneme se referiu! Não obstante, no lance do jogo citado anteriormente, Roni fez carga ilegal no defensor, tanto pela força empregada, como porque realizou a ação não para disputar espaço, mas para impedir que o atleta do Fortaleza jogasse a bola (carga fora do contexto da jogada e, pois, fora do tempo de disputa, além da força desproporcional).
Os lances do penal marcado a favor do Santos contra o Goiás, e o não marcado a favor do Flamengo na partida contra o Palmeiras, na rodada do final de semana (09/07/23) estão a desafiar, como os anteriores, a coerência de Seneme.
Ah, nem podemos esquecer da reclamação do Grêmio, na mesma rodada, no lance em que um defensor do Botafogo, com os dois braços, puxou pelo tórax um atacante adversário. Dizer que o puxar com os braços não foi “suficiente”; “que não foi para tanto”; que o atacante “valorizou”, quando há claro movimento dos braços do defensor contra o corpo do atacante e este foi deslocado e até caiu, é pretender que o futebol continue sendo vítima de violação de suas regras, sujeito mais a interpretações subjetivas do que objetivas e, quem sabe, até a opiniões e decisões de conveniência. Se os elementos subjetivos devessem prevalecer, tudo estaria certo, salvo os erros em situações claramente grosseiras. Com efeito, uma coisa é colocar os braços no adversário, quando a situação for natural da dinâmica da jogada, outra, bem diferente, é fazer os movimentos claros para segurar ou empurrar, sobretudo quando um jogador está à frente ou atrás do outro.
Diante de tudo e em harmonia com a suposição de inexistência de diretrizes claras e consentâneas com as regras do jogo, julgamos que a Comissão de Arbitragem da CBF precisa orientar os árbitros para:
a) analisarem se as cargas são praticadas por busca de espaço, a fim de manter ou ganhar a posse da bola, sem força que ofereça risco ao oponente e, sobretudo, sem uso dos braços, quando não haverá falta, ou se são feitas apenas para impedir que o adversário jogue a bola (carga fora do contexto da jogada), quando haverá falta, sobretudo se houver uso dos braços, sendo certo, aliás, que neste caso a infração incide em outra espécie;
b) verificarem se as entradas são dadas respeitando os termos da regra. Nesse tipo de ação, o que importa não é se a bola é ou não jogada, mas, apenas, se há desconsideração do adversário ou do risco de lesão e, pior ainda, quando o risco de lesão é assumido. Logo, a bola pode ser jogada e haver falta, assim como pode não haver falta mesmo a bola não sendo jogada. As questões disciplinares decorrem da forma de tais ações (desconsideração do adversário – falta sem punição; desconsideração do risco – CA; e assumir o risco de lesão – CV);
c) definirem que as ações de empurrar e segurar com os braços são sempre faltosas, pois a regra não permite que um jogador desloque ou impeça o adversário de jogar empurrando-o ou o segurando com os braços. Esta ação não se confunde com a carga. Concluir que tendo havido uso dos braços (com movimento para segurar ou empurrar), mas que não houve falta porque não foi “suficiente”, “não teve impacto” é deixar esses lances em campo apenas subjetivo, produzindo incoerência, inconsistência e insegurança. A propósito, vale registrar que, no particular, a regra é objetiva. Falta: “empurrar o adversário”; “segurar o adversário”. Ressalva-se que o impacto exigido, apenas na ação de segurar, para que a falta não se caracterize é o claramente irrelevante, insignificante, como o segurar a camisa do adversário milimetricamente e indiscutivelmente sem qualquer consequência (impacto). Falta, todavia, sempre ocorre quando os braços fazem movimento contra o corpo do oponente. A não ser assim, os árbitros estarão desconsiderando um elemento objetivo (ato de segurar ou empurrar com os braços) e decidindo com base em suposição: “não foi para tanto”; “não foi suficiente”; “o atacante valorizou”; “não houve impacto” etc. A continuar assim, as decisões obedecerão mais ao comando do subjetivismo do que aos fatos e fatos previstos nas regras;
d) tomarem consciência de que nas situações de contato da bola com a mão/braço a regra precisa ser interpretada de acordo com seu texto, ou seja, considerar se a posição da mão/braço está de acordo com o movimento para jogar, pois as mãos/braços dão equilíbrio, impulso e velocidade ao jogador. Disputar a bola com as mãos/braços colados ao corpo é que é absolutamente antinatural. Jogador de futebol não é pinguim! Nesse contexto, uma boa interpretação é a que distingue a ação de disputar a bola, quando o jogador está no contexto da jogada, daquela em que ele se posiciona para bloquear a bola chutada de longe, quando tem tempo e espaço para cuidar das mãos/braços. Diante disso, dizer que o fato de as mãos/braços estarem separados do corpo sempre caracteriza infração, como tem ocorrido, porque teria havido ampliação do espaço, sem considerar o movimento do jogador, é ferir de morte a essência do futebol e o texto da regra (basta ler), que, aliás, foi redigida com base em sugestão nossa (o registro está nos anais da CBF). Se assim não fosse, a desastrosa regra que considerava que o fato de o braço estar acima do nível do ombro; separado do corpo etc. sempre caracterizava falta, não teria sido substituída para atual redação, cuja explícita filosofia é: “nem todo toque da bola na mão/braço é infração” e “o árbitro só pode considerar que há falta quando a posição da mão/braço não puder ser justificada com o movimento realizado”.
e) No campo do VAR, a CBF precisa dizer se cumpre o correspondente protocolo ou se segue o seu próprio, respectivamente: “corrigir erro claro, óbvio”, que não precisa ser grosseiro, ou “tomar a decisão mais acertada”. Certo é, todavia, que esta última diretriz, além de ilegal, tem gerado toda a inconsistência do processo, por ser muito subjetivo definir qual a decisão mais acertada, em especial, se as diretrizes sugeridas acima, como vem ocorrendo, não prevalecerem.
A exibição de vídeos educacionais, em que os elementos objetivos sejam o grande norte, em contraposição aos conceitos subjetivos (“não foi para tanto”; “não foi suficiente”; “valorizou” etc.), seria de grande utilidade para o mundo do futebol, pois, com certeza, traria mais segurança e menos inconsistência nas decisões das arbitragens.
Ao leitor a palavra final.