VAR – Intervencionismo ou omissão?

Foto: Divulgação/Flamengo

Série A – Lances polêmicos – 26ª rodada – 10 e 11/09/22

Antes de analisar alguns dos lances polêmicos da indicada rodada, ratificamos que, por mais que o VAR siga a diretriz de “erros claros, óbvios,”, é impossível se estabelecer uma fronteira rígida separando os lances em que o VAR deve atuar daqueles em que não pode agir, pois futebol não é matemática e, principalmente, porque o monitor que a Ifab/Fifa colocaram no campo é exatamente para que os lances de interpretação sejam reanalisados. Assim, a controvérsia é da própria essência do monitor.

Por consequência de tal constatação o VAR enfrenta o terrível dilema entre ser intervencionista ou ser omisso: recomendo ou não recomendo uma revisão? William Shakespeare que o diga.

A complexidade dessa dúvida ainda fica mais elevada por conta da influência de alguns “especialistas”, que ora opinam com base em puro subjetivismo: “para mim não foi; empurrou, mas o empurrão não foi para tanto …”; que ora, paradoxalmente, pretendem decisões matemáticas, como se viajassem na rota rígida dos trilhos de um trem; ou, ainda, que ora oscilam como varas de bambu: tem que ser erro claro, óbvio; não precisa ser mais erro claro, óbvio, basta ser erro… 

Todos esses males, todavia, têm origem no monitor.  

E assim afirmamos porque no projeto que concebemos o VAR se destinava à correção de erros tão claros, tão óbvios, tão indiscutíveis, tão sem qualquer viés de interpretação que o árbitro não precisaria rever os lances em que o VAR atuasse.   

Nada, portanto, justificava a existência do monitor, que é invenção da Ifab/Fifa e que se transformou nesse elevado empecilho para a arbitragem em todos os rincões do mundo.  

Se nosso projeto não sofresse tão inadequado ajuste – inclusão do monitor –, ao menos até que a cultura do futebol absorvesse o VAR, ou até que se mudasse o princípio da imediatidade que é da essência das arbitragens, não haveria tanta dúvida para o VAR decidir entre o recomendar ou não uma revisão;  o jogo não seria tão paralisado; e os árbitros assumiriam a plena responsabilidade sobre todos os lances de interpretação, cujo ônus, em contrapartida, evitaria a maldosa insinuação de que eles, os árbitros, estão se escorando no VAR. 

O certo, porém, é que, enquanto houver monitor, haverá controvérsia, tanto sobre a decisão final do árbitro, como sobre se o VAR deveria ou não agir.  

Neste ponto, afirma-se que a indefinição entre o agir e o não agir do VAR remonta aos primórdios do projeto e é comum à FIFA e a todas as entidades de futebol do mundo inteiro, inclusive à Conmebol, cuja Comissão de Arbitragem até recentemente era dirigida pelo próprio atual mandatário da Comissão da CBF, Sr. Wilson Seneme.  

A verdade, aliás, sobre a origem da dificuldade da atuação do VAR foi comprovada pelo próprio Sr. Sandro Meira Ricci, que, na Copa do Mundo de 2018, se omitiu em um lance que claramente exigia sua atuação e lhe valeu censura da Comissão de Arbitragem da entidade maior.  

Desse modo, a afirmativa do Sr. Sandro Ricci sobre a existência de uma “herança maldita”, que decorreria das instruções da CBF não se sustenta, sobretudo porque todas as orientações que a entidade do Brasil realizou foram com base nos preceitos da FIFA e da Conmebol e, inclusive, com participação dos principais instrutores internacionais e continentais. 

Conclusivamente, pois, se houvesse “herança maldita” ela teria origem nas entidades que emitiram e implementaram as normas:  Ifab, Fifa, Conmebol, etc.

O certo, porém, é que não há “herança maldita”, mas um processo complexo e que passa por dificuldade de toda ordem, inclusive em razão de algumas instruções inadequadas; de circunstancial incapacidade dos árbitros; e, principalmente, pela inexatidão dos lances de interpretação.

Sendo assim, a denominada “herança maldita” só teria existência na imaginação de um filho ingrato, que hoje irroga-se perfeito, conquanto sua trajetória como árbitro, em que pese haver sido boa, também foi marcada por muitos erros e controvérsias de toda ordem.

Finalizando, já que o monitor existe e existe para lances de interpretação, como está no protocolo, julgamos que a mais sensata das posições é procurar a decisão correta, sem necessidade, pois, de o erro ser absolutamente indiscutível, ou ostensivo, ou grosseiro.

Passemos, agora, à análise de alguns dos lances da indicada rodada.

Jogo 1 – Goiás x Flamengo – Gol do Flamengo

O gol foi legal.

Em harmonia com tudo quanto foi dito sobre os limites de sua atuação, opinamos que o VAR agiu corretamente ao recomendar a revisão do lance e o árbitro, igualmente, atuou com acerto, mudando a marcação inicial.  

Antes de dizer o porquê do acerto da decisão, é imprescindível observar que, conquanto a arbitragem não possa, absolutamente, ser pressionada porque uma das equipes envolvidas seria “grande”, por igual, este fator não pode servir de óbice para que, em nome de uma falsa e nociva independência, os árbitros deixem de atuar conforme suas convicções. O que os árbitros têm que ter, portanto, é base técnica. Tendo-a devem atuar com a dignidade, independência e ética que os caracterizam.   

A legalidade do gol está em que Léo Pereira disputou a bola de forma adequada, como lhe é de direito e sem fazer qualquer carga faltosa em Tadeu. 

Note-se que os goleiros não desfrutam de qualquer privilégio.  

Logo, se a bola estava dividida para ambos os jogadores e se o atacante não ofereceu risco ao goleiro, como ocorreria se disputasse a bola com os pés, não se pode conceber que houve falta porque houve um sutil contato do braço do goleiro com o ombro do atacante, até porque foi o goleiro quem praticou a ação física que mais provocou o indicado contato, apesar, de igualmente, não cometer infração. A disputa foi normal, própria do jogo.

Analisando-se as imagens do lance, percebe-se que o referido contato ocorreu já depois que o goleiro tocou na bola e a desviou, sem, portanto, sofrer qualquer impacto em sua ação.  

Desse modo, se não houve falta, o gol não poderia ser anulado e o VAR, por estar convicto de que não houve falta, tinha que recomendar a revisão, sob pena de ser omisso. O VAR, assim como o árbitro, trabalha com suas convicções, logicamente que baseadas nas regras e nas imagens.  

Acresça-se que, se o gol foi claramente legítimo, houve erro claro, óbvio da arbitragem. Erro claro, óbvio não se confunde com erro grosseiro. Desse modo, o gol não poderia ser invalidado apenas por conta de uma suposta forma – exclusão de lances de interpretação (sic) – em detrimento da essência, inclusive porque o monitor é exatamente para lances de interpretação, como dito. 

O que não se concebe é que os que opinam dizendo que o contato do braço do goleiro com o ombro do atacante caracterizou falta afirmem, em lances de contatos até mais fortes, que “o contato não foi para tanto; que o contato é de jogo …”. Agindo assim, em lugar de esclarecerem e de ajudarem a arbitragem a se desenvolver e alcançar um critério aproximado de interpretação, prestam-lhe desserviço. Seria o subjetivismo que daria abertura para o hoje sim, o amanhã não, tornando uma babel o sistema de interpretação e possibilitando oscilações nas análises conforme interesses desconhecidos!

Jogo 2 – Internacional x Cuiabá – Pênalti desmarcado – falta na fase de ataque

Mais uma vez a arbitragem agiu corretamente, conquanto o árbitro devesse decidir sem ajuda do VAR.

De fato, pois Valdivia, ao disputar a jogada com o defensor do Internacional, ao mesmo tempo em que tocou na bola, sem, contudo, tirá-la do domínio do oponente, o empurrou com os dois braços e o desequilibrou, inclusive em razão do contato em seu pé esquerdo, tanto que o penal cometido, na sequência da disputa, foi em razão da queda decorrente do empurrão e do desequilíbrio que o defensor sofreu.

Lance claro de falta na fase de ataque.

O curioso deste lance é a contradição com a análise do lance acima. No anterior, o contato foi sutil, próprio do jogo e sem impacto no goleiro, pois ocorrido depois que ela já havia feito a defesa. Neste, o empurrão com os dois braços foi claro; provocou impacto no defensor, pois o desequilibrou e até causou sua queda posteriormente.  

Não obstante, para alguns analistas não houve falta, porque o contato teria sido próprio do jogo, ao passo que no primeiro haveria infração.   

Analisando as imagens de ambos os lances (ver no portal da CBF, em Arbitragem, Análise do VAR), o esportista constatará os conflitos e a inconsistência das análises referidas e perceberá que o caminho do particularismo, do subjetivismo não é adequado.

Jogo 3 – Avaí x Athletico PR – Fernandinho – Jogo brusco grave

A falta cometida por Fernando Roza (Fernandinho) em Paolo Guerrero, aos 27 minutos do primeiro tempo, por trás, com a sola da chuteira, acima do tornozelo, sem possibilidade de jogar a bola e o adversário de se defender caracterizou jogo brusco grave.

Registre-se que o movimento de Fernandinho não foi abortado, como Paulo Zanovelli alegou, porque sua perna deu impressão de que teria sido encolhida. Assim não foi, todavia, pois o movimento foi continuado e até o ponto em que a perna de seu adversário já havia quase que atingido o solo. Se Fernandinho fosse além, teria não apenas assumido o risco de lesionar seu adversário, mas o desejo evidente de fazê-lo. Fernandinho apenas não “amassou a barata”, como se diz, mas usou o chinelo para matá-la.   

Desse modo, o jogo brusco grave se caracterizou, sendo certo, ainda, que a expressão força excessiva que a regra contém não se relaciona apenas com brutalidade, nem requer que haja lesão. Assumido o risco, aí estará a moldura da regra para a expulsão. 

Registre-se que as ações dissociadas da possibilidade de jogar a bola só devem ser punidos com Cartão Amarelo quando, claramente, o jogador retirar sua perna antes de possibilitar que ocorra lesão; que o contato seja efetivamente leve e, normalmente, sem que haja uso travas da chuteira.  

Não se preserva a integridade física dos jogadores, como a filosofia da regra 12 recomenda, punindo as ações da espécie apenas com Cartão Amarelo. Isto seria um estímulo para provocar lesões.  

O desejo de alguns dirigentes de arbitragem para que as equipes terminem a partida com 11 jogadores não pode chegar ao ponto de causar ameaça à integridade física. A política não pode superar a regra e a essência do jogo. 

Ao leitor, a palavra final.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *