Qual a novidade, afinal?

Foto: Divulgação/FPF

Quando menino, no velho Brás dos italianos, em frente ao bar da Dona Lili, costumava ouvir dos mais antigos essa cantiga ancestral:  “O São Paulo ganha do Palmeiras; o Palmeiras ganha do Corinthians, e o Corinthians ganha do São Paulo, fechando o ciclo histórico do Trio de Ferro.

Isso, porém, num tempo em que o Trio de Ferro era sete décadas mais jovem. Ainda sob os efeitos dos dez anos de fila do Timão e da disputa do Campeonato Paulista dividida entre São Paulo e Palmeiras na década de 40.

Setenta anos depois, essa cantiga desafinou até perder o tom, pois que muita água rolou desde então quebrando o círculo mágico.

Certa vez, cantarolei para me querido Renato Maurício do Prado, versos de um antológico samba do rubro-negro Wilson Batista que dizia mais ou menos assim: “…E o Flamengo perdeu/ Do Botafogo/Amanhã vou trabalhar/ Meu patrão é vascaíno e de mim vai zombar”.

É que na época da composição era moda dizer-se que o Botafogo sempre ganhava do Flamengo, não importasse se um era tecnicamente superior ou não.

Não preciso dizer que Renatinho pulou da cadeira e replicou: “Isso foi antes do Zico!”

Pois é. Tudo muda com o passar do tempo, como diria o Conselheiro Acácio, personagem que andou muito em voga nas velhas cronicas, agora sepultado na memória coletiva, vítima de sua própria obviedade.

Faço tais citações porque tenho uma quedinha pelo passado. Desde criança.

Ou talvez imbuído pelo prazer de acabar de rever uma obra-prima de Woody Allen, intitulada Paris à meia-noite, cujo personagem principal, um jovem pretendente a escritor, viaja pelo tempo para se encontrar com artistas e romancistas de seu Panteão particular.

Ah, como este velhote gostaria de viver dias inesquecíveis na Belle Époque de Guaguin e cia. ou nos Anos Loucos do pós Primeira-Guerra na Paris de Fitzgerald, Picasso etc.

Hoje, temos um Fla cheio de glórias e o Glorioso amargando a Segundona do Brasileirão.

Estou dando esse passeio à beira do campo histórico pra chegar às finais do Paulistinha, que ganhou outra dimensão com o confronto entre o Palmeiras, atual campeão, e o São Paulo, que não vê um título, nem de binóculo, há mais de dez anos.

O que me fez lembrar dos anos 40, quando, enquanto o Timão sofria um jejum de dez anos, o São Paulo venceu cinco campeonatos, um deles, invicto (46) e o Palmeiras apenas três.

Mas, se o Tricolor, naquela época, tinha um elenco excepcional, capitaneado por Leônidas da Silva, o Pelé de então, o Palmeiras era um time respeitável, apenas, no confronto direto.

Exatamente o oposto destes dias.

A ilustre turma da latinha e da Internet, contudo, prefere assestar seu olhar para o banco onde se sentam os dois treinadores em confronto – o português Abel Ferreira e o argentino Hernán Crespo -, deixando um pouco de lado os jogadores, que, afinal são os que fazem o espetáculo, ganhando ou perdendo.

Vejo na tv prodigiosas análises táticas dos dois times, com gráficos em profusão que mais se assemelham a um vídeo-game, a grande paixão dos meninos das últimas gerações que se estende à vida adulta.

O que, de certa forma se aproxima do encantamento que tínhamos quando do advento do pebolim.

Sucede que o jogo jogado no gramado verde, de fato, nem é um vídeo-game, tampouco o pebolim, simplesmente porque não são algoritmos ou bonecos de pau estáticos que correm pelo gramado.

Logo, apesar de um sistema tático adotado por este ou aquele treinador será obedecido até o momento em que o impulso das circunstâncias ou a inspiração do craque alterem o cenário programado de antemão pelo técnico. Pra não falar na possibilidade de o analista em questão, escolher certos lances ocasionais pra justificar sua tese a respeito do que estava adrede preparado.

A propósito, essa fixação dos comunicadores atuais pelos atributos ou deficiências dos treinadores acabaram por extrair dos jogadores brasileiros a capacidade de improvisar, nossa maior virtude ao longo da história.

Ouço a toda hora falarem em metodologia, jogada ensaiada e outros bichos, um manancial de itens escamoteados da imprensa em geral.

Quem assistiu aos treinamentos das equipes na atualidade? Ninguém. Portanto, como assegurar que esta ou outra jogada, este ou aquele movimento coletivo foi devidamente ensaiado?

Até os anos 90, nós íamos aos treinos, assistiamos a todas as movimentações sentados no banco dos reservas, levavamos papos a fio com os treinadores, os jogadores, o médico, o preparador físico etc. Hoje, nem pensar. Os repórteres ficam lá fora, olhos vendados, câmeras viradas pra trás e assim vai.

Entretanto, o que nos é permitido ver- o jogo de fato -, o que observamos? Times jogados nas mais velhas retrancas, dignas de um Buzeto ou de um De Domenico, de meio século ou mais atrás.

A diferença, de fato, se dá na qualidade dos jogadores, capazes de conferirem efetividade ao plano tático, ou não.

Por exemplo: Rony, hoje, como Dudu há pouco tempo, resolve todo o problema do ataque verde, por conta de sua velocidade e poder de fogo dentro da área.

Qual a diferença, pois, do Palmeiras de Felipão ou Luxemburgo e o de Abel Ferreira? Pequenos detalhes oferecidos por este ou aquele jogador que dá efetividade ao esquema tático.

Já o São Paulo de Crespo, com o mesmo esquema de três zagueiros e cousa e lousa, consegue oferecer um jogo coletivo mais fluente, graças a seu meio de campo um tanto mais leve e veloz na troca de passes.

Pequenas diferenças entre si, mas nada original diante da história do futebol brasileiro, que, na maior parte do tempo relativizava os poderes dos treinadores de  futebol, concentrando-os mais na capacidade de extrair de seus jogadores, emocionalmente, o máximo possível.

Nada, pois, mudou, como diria o personagem do genial Eça. Ou, na palavra de Leopardi: mudemos agora pra nada mudar.

 

 

 

Um comentário

  1. Desculpe, mas novamente tenho que discordar do nobre comentarista sobre a superioridade do São Paulo sobre o Palmeiras na década de 40. Durante toda a década de 40, o cenário futebolístico na capital paulista praticamente se restringiu a Palmeiras e São Paulo : enquanto o verdão levou a melhor em 1940, 1942, 1944, 1947 e 1950, o Tricolor ficou com a taça em 1943, 1945, 1946, 1948 e 1949
    Inclusive,o terceiro título do Palmeiras , em 1944, veio com triunfo sobre o hoje rival do Morumbi. Esse estadual ficou marcado pela manobra nos bastidores que tirou o medio volante Dacunto da partida decisiva contra o São Paulo, pela antepenúltima rodada do campeonato, por ele ter sido expulso no jogo anterior (na época, porém, não havia suspensão automática). Mesmo assim, o time do Parque Antártica venceu a partida por 3 a 1 e levou mais um caneco.
    Dois anos depois, em 20 de setembro de 1942, houve uma resistência dos jogadores alviverde que entraram imponentes no gramado do Pacaembu para enfrentar o mesmo São Paulo, no primeiro jogo do Palmeiras depois de ser obrigado a mudar de nome. À época, houve muitas perseguições políticas da qual o Palestra foi vítima,pois queriam mudar o nome do verdão de qualquer jeito, inclusive o próprio São Paulo. Os jogadores do Palestra carregaram a bandeira brasileira para dentro de campo naquele dia, provando que o Palmeiras era um clube de todos, e sagrou-se campeão mais uma vez de forma antecipada após vitória 3 a 1 e abandono do tricolor ( fugiu de campo). Então, caro Alberto Helena Júnior, houve um equilíbrio muito grande, na década de 40, entre Palmeiras e São Paulo, equilíbrio aliás esse que persiste até os dias atuais.

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