Consciência tricolor

Foto: Divulgação/Miguel Schincariol

Veio em boa hora a homenagem prestada pelo São Paulo, no jogo com o Vasco, ao Dia da Consciência Negra, inscrevendo os nomes de personagens ilustres da nossa história, negras e mulatas às costas das camisas de seus jogadores.

Aliás, o mesmo (ou algo do gênero) caberia ainda mais no Vasco, clube tido como o primeiro, no Rio de Janeiro, a admitir crioulos em seu time, num futebol então dominado por brancos das chamadas boas famílias cariocas.

E tudo isso me fez lembrar de Solano Trindade, o Poeta da Negritude, e seu movimento em favor da igualdade racial, lá pelos anos 60, quando nos reuníamos no terreiro de sua casa, às noites de sextas e sábados, em alegres festejos, em que gente de todas as artes e literaturas se confraternizavam ao som do samba, dos cânticos de candomblé, danças e paqueras.

Aliás, é por isso que aquela vilazinha de então, composta de algumas casinhas modestas em ruas de terra batida, acabou ganhando o nome oficial de Embu das Artes.

Ali nasceu o Grupo Teatral Quilombo, dirigido pelo meu saudoso amigo Dalmo Ferreira, e onde conheci o mais criativo dos entalhadores em madeira, o querido Assis do Embu, hoje esquecido, apesar de sua rica obra.

Lembranças dos anos que não voltam mais. E, sobretudo, do Franco Paulino, crítico musical e publicitário, que costumava me chamar de Crioulo, segundo ele, o branco com alma de negro.

Isso, por conta da minha paixão pelo samba, a máxima expressão cultural do nosso povo nascida no batuque das senzalas e ganhando forma e conteúdo nos quintais das casas das velhas baianas na Cidade Alta e nos terreiros das escolas do Rio, ao lado do futebol, e…, claro, pelas mulatas faceiras.

Logo, permita-me o São Paulo retribuir a homenagem, formando assim de cabeça uma seleção tricolor de todos tempos por mim vividos; ou seja: dos últimos setenta anos:

King, redução de King Kong, o gigantesco gorila, personagem central de filme americano que fez muito sucesso nos anos 30, que só vi jogando ao vivo, já veterano, defendendo o Ás Preto, digno time da várzea paulista dos anos 40/50.

Cafu, que dispensa maiores apresentações.

Válber, talvez o zagueiro mais completo que vi em ação com a camisa tricolor, ao lado do branco Mauro Ramos de Oliveira.

Jurandir, reserva de Zózimo na Copa de 62, e um dos raros esteios do São Paulo, ao lado do lendário Roberto Dias, branco, nos amargos anos da construção do Morumbi.

Serginho, que formou uma ala esquerda espetacular com Denílson Show nos anos 90. E que brilhou no grande Milan daquela época.

Bauer, filho de um comerciante suíço e uma doméstica negra, também chamado de Monstro do Maracanã, na Copa de 50, e capitão da Seleção no Mundial de 54. Estiloso, dedicado, um craque sem restrições.

Zizinho, o Mestre Ziza, que conduziu o Tricolor à conquista do campeonato de 57, e o mais cerebral e completo jogador de meio de campo da história do nosso futebol, chamado pelos críticos italianos de O Leonardo da Vinci do Futebol. Precisa mais?

Benê, um volante e meia revelado pelo Guarani que encantava por sua técnica esmerada, velocidade e drible fácil, que só não foi a uma Copa do Mundo porque inventaram um problema cardíaco que os anos todos seguintes provaram o contrário. Teve um final de vida deplorável, levado pela bebida à quase miséria.

Muller, outro que dispensa comentários. Cria do São Paulo, era um atacante veloz, hábil, goleador e grande assistente. Ao longo de sua carreira vitoriosa mudou de estilo e funções assim, ó, como quem bebe um copo d’água.

Leônidas da Silva, o Homem de Borracha, o Diamante Negro, a contratação mais cara do futebol brasileiro em sua época, e que mudou a fisionomia do São Paulo. Artilheiro da Copa do Mundo de 38, com 8 gols, recorde quebrado vinte anos depois pelo francês Fontaine, Leônidas foi o Pelé de seu tempo. Isso basta?

Canhoteiro, um ponta-esquerda descoberto pelo São Paulo numa excursão ao Nordeste, em meados dos anos 50, que ganhou o apelido de Mago. E assim o era de fato: um mago no domínio da bola, nos dribles, nos cruzamentos e assistências.

Por fim, acima de todos, a figura de Arthur Friedenreich, mulato, filho de um comerciante alemão com uma negra brasileira, o primeiro ídolo brasileiro de todos os tempos, personagem lendário que infelizmente não vi jogar, mesmo porque, neste país da desmemória, não há registrado senão uns raros fragmentos de sua ação em campo, recolhidos pelo meu saudoso amigo Fernando Faro, quando diretor do MIS.

E assim, convido os amigos e amigas a saírem comigo neste cordão da redenção, ao som do velho samba de carnaval gravado por Blackout, negro e gay da Barra Funda:

Chegou o general da banda, hê, hê

Chegou o general da banda, hê, áh

Mourão, mourão

Barra madura que não sai

Mourão. mourão, mourão,

Catuca por baixo que ele cai…

 

 

 

2 comentários

  1. Helena bom dia, parabéns por essa mensagem relembrando esses monstros negros que vestiram a camisa tricolor, seleção de excelência que nos brindaram com seu futebol maravilhoso, esse nosso tricolor sempre enchendo de orgulho o torcedor são Paulino

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