Raí: tradição versus galera

Raí acaba de assumir a direção de futebol do São Paulo. Já teve uma breve e infausta passagem em cargo semelhante nos tempos do presidente Marcelo Portugal Gouveia, sobre a qual não prefere falar.

E chega com o respaldo de ídolo histórico do clube, campeão mundial e outros babados. É do ramo, um rapaz inteligente, bem preparado e que pode dar, sim, um impulso nessa área tão delicada e fundamental em qualquer time de futebol, ainda mais nesse São Paulo caótico da última década.

Pelo que conheço dos dois, não tenho dúvidas que haverá um diálogo produtivo entre Raí e o técnico Dorival Jr., pois ambos guardam certa afinidade de temperamento.

O diabo vai ser executar sua primeira proposta: estabelecer uma identidade de estilo de jogo do time capaz de reverenciar as tradições do São Paulo e atender às exigências da torcida tricolor.

Pois, o que ocorre hoje em dia é uma total discrepância entre o que reza a tradição do Tricolor em campo e o que clama sua torcida atual nas arquibancadas.

Nos tempos em que o São Paulo se forjou como um dos grandes da cidade, a partir da primeira fundação, em 31, recolhendo a herança do glorioso Paulistano,  expressa em nomes como Friedenreich, Arakén Patusca, Luisinho Mesquita de Oliveira, e acrescido de craques do porte de um Valdemar de Brito (o descobridor de Pelé) e Hércules, por exemplo, era um time altamente técnico, clássico, ofensivo pela própria natureza. Estilo que retomou nos anos 40, com a célebre linha média Bauer, Rui e Noronha, mais Sastre, Leônidas e cia. bela., quando se sagrou cinco vezes campeão paulista, com dois bicampeonatos e num deles invicto, o de 46.

Nos anos 50, até o início pra valer da construção do Morumbi, manteve essa escrita, com craques como Zizinho, Canhoteiro, Pé de Valsa, Alfredo Ramos, Dino Sani etc. Findo o período cinzento da construção do estádio, voltou às suas origens, com o timaço do início dos 70, em que, sob a batuta de Gérson, rodopiavam Pedro Rocha, Toninho Guerreiro, Forlan e tantos outros.

Nos 80, primaram os Menudos de Cilinho para, nos 90, chegar a vez dos campeões mundiais de Telê. Todos times que exaltavam o futebol técnico, antes de mais nada.

Nesses períodos todos, o grito da galera, quando time ia mal era um só: “Queremos craques!”. Era a excelência do futebol praticado em campo que a torcida exigia.

Nos últimos tempos, porém, o que se ouve é: “Raça, raça, raça!”. Exatamente o oposto da história construída pelo Tricolor em campo. E tome aplausos ao carrinho pra lateral de Álvaro Pereira, orgasmos pelos chutões do becão Maicon e assim vai.

Os jogadores de técnica mais apurada e habilidade são expulsos do Morumbi, um atrás do outro, e a série é longa.

Claro, o torcedor tem a consistência e o rumo do vento. Vai pra onde é levado.

E o grande desafio de Raí será o de conduzi-lo ao reencontro das mais caras tradições tricolores, justamente aquelas que deram ao clube  títulos e ao torcedor o prazer de ver em campo um futebol agradável e incisivo.

Não será fácil, principalmente pela devastação nos cofres do clube produzidas pelas últimas diretorias.

Mas, aí, com seu olhar de craque que foi, pode garimpar nas bases aqueles meninos que levariam o São Paulo de volta às suas origens.

Sim, porque essa é outra tradição do clube: revelar craques. Só pro amigo imaginar, escalo aqui uma seleção de jogadores revelados pelo São Paulo, pontilhando várias épocas de sua história: Rogério Ceni; Cafu, Mauro Ramos de Oliveira, Roberto Dias e Gilberto; Bauer, Silas e Kaká; Muller, Serginho e Zé Sérgio ou Denílson. E, saiba meu jovem amigo que nas tardes terças e quintas, dias de coletivo nos anos 40, o Canindé se enchia de torcedores pra ver um espetáculo singular: os titulares contra os reservas, pratas da casa como o mítico Ieso Amalfi, André, Jacó, Leopoldo, craques que perderam sua juventude à sombra dos veteranos Sastre, Leônidas e demais. Cada coletivo era um jogaço, de acordo com os relatos dos mais antigos que colhi na minha infância.

Ainda outro dia, o São Paulo deixou escapar duas joias preciosas que mal chegaram a ser lançados no time principal: os atacantes David Neres e o ponta canhoto Luís Araújo. Com eles abastecendo Pratto, não tenho a menor dúvida que gringo se fartaria dos gols de que careceu neste campeonato, como o Tricolor teria cumprido uma campanha muito mais digna de suas tradições.

Cabe, agora, a Raí meter mãos à obra e conciliar o que parece inconciliável neste exato momento.

 

3 comentários

  1. Meu caro Alberto,
    Sou tricolor desde criança e já tenho 741 anos. Já ví grandes times do meu SPFC. O grande problema do time atual é técnico. Não acredito em Dorivais. O cara tem medo ate da sombra. Não compreendo porque não escalar a garotada. Por medo? Pressão? Incompetencia, parece ser a palavra correta. O único técnico que se encaixa no perfil atual do time a meu ver é Dario Pereira, o resto é o resto.

  2. Os times grandes no Brasil precisam tomar uma decisão na vida. Ou serem clubes grandes ou empresas. Barcelona Real, Bayern, MUnited parece que há muito tempo decidiram ser clubes grandes. Porém, aqui no Brasil os grandes times decidiram ser pequenas empresas. Deu no que deu. Tudo que é feito e planejado é no sentido de fazer dinheiro. Vejam o trágico exemplo do Náutico em Recife. O time tinha matematicamente boas chances de não ser rebaixado para a série C. O que fez a diretoria do Náutico? Ainda no fim da primeira fase, vendeu por 3 Mi a sua única esperança de impedir o rebaixamento do time, no caso o jogar Erick prata da casa, que vinha sendo um tormento para as defesas adversárias. Produto da negociação: O time foi rebaixado para a série C levando consigo todo um prejuízo que traz um rebaixamento , e perdeu ainda por baixo 30 milhões em cotas e patrocínio. Esse é um retrato da política dos dirigentes do futebol no Brasil

  3. É lamentável os conceitos de hoje, no mundo do futebol! Infelizmente virou negócio, prova disso, e o vexame que passamos na copa do mundo de 2014! fomos massacrados pela Alemanha em casa! e ainda assim os dirigentes que podiam ajudar pra que o Brasil voltasse e ser o melhor futebol do mundo, tem outros interesses extras futebol! com essa mentalidade num curto prazo seremos ultrapassados em termos de copa do mundo! Alemanha e Itália já estão nos nossos calcanhares! As vezes fico pensando o que será o futuro do nosso futebol daqui uns 20 ou 30 anos, ou até menos?

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