Os ingleses vitorianos meteram os pés pelas mãos e extraíram do ventre do rúgbi o futebol moderno, que, de início chamaram de dribbling, aqui, drible, recurso que o brasileiro elevou ao nível de arte anos mais tarde.
Com o passar dos tempos, voltamos à estaca zero, trocando o drible por um arremedo de rúgbi. E isso começou lá pelos anos 70, quando virou moda buscar no basquete a solução para todos os nossos problemas: aquele negócio de atacar com sete defender com sete jogadores. Eu mesmo cheguei a sugerir que o técnico de basquete Mortari, famoso na época, se transferisse para o futebol.
Ah, sim, e houve até uma rápida passagem pelo vôlei, com a cooptação de treinadores famosos desse esporte, como Zé Roberto, embora não à beira do campo. Até hoje, não sei bem como o vôlei poderia contribuir com o futebol, desde que a rede, no futebol, é o objetivo a ser alcançado, enquanto a rede do vôlei é uma barreira a ser evitada.
Mas, enfim, são tantos os mistérios que passam pela cabeça dos nossos analistas…
A última moda, agora, é trazer do hóquei os ensinamentos mágicos para dar novas feições ao futebol.
O que tem que ver com as calças? Um se joga com os pés; noutro, os pés se assentam em patins e a bola é impulsionada por tacos.
Ah, mas tem a movimentação dos jogadores, traçada pela mais alta tecnologia importada do hóquei pelo treinador do Independiente e sua comissão técnica de dez especialistas.
Bem, confesso que alertado para isso revi o jogo em que o Independiente bateu o Flamengo em Avellaneda pela disputa do título da Sul-Americana. O Flamengo de Rueda, até outro dia incensado como grande inovador, ao dirigir o Nacional de Medellin, e que no Fla faz um feijão com arroz sem tempero.
Pois, então, o que vi? Vi o que tinha visto durante a transmissão: duas ou três mudanças de posição de alguns jogadores – o beque vira lateral, o lateral vira beque, o meia sai do lado para o meio, o centroavante descai para os lados… e assim vai.
Coisas que vejo todo dia até mesmo no nosso atual modorrento, repetitivo e anacrônico futebol, há mais de sessenta anos.
O meu querido amigo e profundo estudioso do futebol (e aqui não vai um pingo de ironia, juro) PVC, na sua coluna da UOL, chega a comparar o sistema utilizado pelo Independiente com o da Holanda de 74, o célebre Carrossel também chamado de Laranja Mecânica ou Futebol Total. E cita um livro do inglês Jonathan Wilson, que, por sinal, me entrevistou para o seu aclamado Pirâmide Invertida. Nesse outro livro, que se pode traduzir como Por trás das Cortinas (ou Bastidores), Wilson revela ter ouvido de Cruyjff que aquela famosa Seleção Holandesa se baseou em princípios do hóquei, muito popular em seu país, no inverno.
Longe de mim duvidar de nenhum deles. Apenas me espanto, pois logo depois da Copa de 74, Cruyjff esteve aqui em São Paulo, participando de um evento da TV Bandeirantes e varamos a madrugada falando justamente da grande revolução que ele e seus companheiros haviam realizado na Alemanha, no restaurante do Hotel Eldorado, na avenida São Luís.
Em nenhum momento ouvi do craque qualquer referência ao hóquei. Ouvi, sim, ele dizer que o sistema adotado pela Holanda foi fruto de dois problemas e uma grande solução. Os problemas: a falta de tempo para treinamento, já que ele, Cruyjff, assim como o técnico Mitchels e seu companheiro Neskeens estavam com o Barça disputando as finais da Copa da Europa e chegaram à Alemanha em cima da hora; além disso, a ausência de zagueiros (por isso, o volante Haan foi improvisado ali ao lado de Reijesberger) – assim, o técnico Mitchels queria um time que jogasse compacto, no campo adversário, pra reduzir os espaços, e numa mecânica de permanente rotação dos jogadores. A solução: o alto QI de todos os participantes, sem o qual seria impossível aplicar esse mecanismo, segundo cansou de repetir o técnico Mitchels.
E, se algo havia sido importado de trás das cortinas, de acordo com Cruyjff, nesse nosso papo, foi do inconsciente coletivo do povo holandês, de seus costumes e artes. Suas danças de roda, suas celebrações em torno de mesas redondas, as rodas das bicicletas que povoam as ruas de Amsterdã e Roterdã etc. tudo que remetia a círculos, como a representação viva do Carrossel ou Laranja Mecânica (título de filme célebre na época). Nenhuma referência a outro esporte qualquer.
Vi aquele Carrossel Holandês de camarote, ao vivo, e confesso, com todo respeito que devo ao PVC, e não encontrei nem um resquício dele no time do Independiente, muito menos do hóquei.
Aliás, o grande segredo daquele time era a troca do conceito da triangulação, que rege o futebol desde sua primeira organização tática, pelo círculo. Isto é: o jogador que está com a bola, em vez de ter duas opções de passe – outros dois vértices do triângulo -, conta com esses dois companheiros girando em torno dele, o que lhe propicia atirar a bola no tal ponto futuro de que tanto falava o saudoso Cláudio Coutinho, economizando assim tempo na precisão no passe, além de eliminar a sobra na marcação aos parceiros.
Mas, talvez, a turma esteja certa e a culpa seja destes olhos já cansados de tanto procurar novidades onde só encontram o trivial revestido de novo.
Mas que história fantástica! Meu bom velhote e mais eu to contigo nessa, parafrasiando o célebre hino gremista, até o vossa maestria estiver, eu irei de a pé.
Obrigado por tocar me com toda esta sua cultura de encher os olhos.
Abços
Essa onda do hóquei no futebol é mais ou menos assim: Por que facilitar se podemos complicar? Para se formar um time fora de série que fique para sempre na lembrança do torcedor e ai concordo inteiramente com Helena, é necessário primeiro convocar os melhores jogadores tecnicamente falando. Além disso ,é necessário que esses mesmos jogadores sejam clarividentes e entendam o esquema tático do time, e para isso o cara tem que ter um mínimo de inteligência. Por último, tenha um treinador estudioso que saiba aliar o seu material humano ao sistema de jogo que irá implementar. Exemplos há muitos no futebol mundial e aqui mesmo no Brasil. Por exemplo, A seleção de 70 de 82 de 2002. A seleção da Holanda como foi falado em 74 a Argentina em 78 a da Espanha em 2010 há muitos exemplos.
O que não pode é um treinador. montar um esquema de jogo no quintal de casa se fechar em torno dele, convocar jogadores que façam estritamente o que ele pede e o mais grave desprezando às vezes jogadores de alto nível técnico sob a desculpa esfarrapada que não é competitivo, intenso ou coisa que o valha. Sabemos muito bem aqui no Brasil os treinadores quem tem esse perfil.