Cruyff e o mistério dos círculos

Foto: AFP
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Era a final da Copa do Mundo de 74, entre Alemanha e Holanda. Mestre Armando Nogueira, o texto mais refinado da crônica esportiva brasileira de todos os tempos, me pegou pelo braço e sentenciou:

-Vamos testemunhar este momento histórico lá do alto.

E arrastou-me arquibancada acima até um dos últimos degraus do estádio de Munique, de onde visualizávamos o campo como um tabuleiro de xadrez.

Bola rolando, o que se via era algo absolutamente inédito no futebol: aqueles tipos vestidos de laranja girando feito doidos pelo gramado – uma roda gigante e pequenas rosáceas em volta da bola, formadas pelos três jogadores que deveriam desenhar o tradicional triângulo – o que estava de posse da bola e seus dois companheiros à espera do passe, girando em torno dele, ao invés de esperar o passe postados como vértices do triângulo.

De olho na estrela da cia., Johann Cruyff, acompanho seus passos. do comando do ataque, lá na frente, ele começa a circular no sentido anti-horário, recebendo e tocando a bola, sob implacável perseguição de Vogts, verdadeiro cão pastor alemão.

Quando atinge a sua própria meia-lua, Cruyff recebe a bola e parte em linha reta, com Vogts em seu encalço. Era como se cortasse a Laranja Mecânica ao meio, passando por todos, até entrar na área, quando é derrubado pelo marcador ensandecido. Pênalti, gol da Holanda.

Jogada que representava a síntese do maior craque da história holandesa e um dos mitos em todo o mundo, craque capaz de unir o sentido coletivo ao talento individual como poucos: tanto vinha aqui armar, quanto chegava para o desfecho da jogada na área inimiga. Mandava e desmandava nos times em que jogou (os principais, Ajax, tricampeão europeu na virada dos 60 para 70, e o Barcelona de seu compatriota Rinus Mitchels, técnico também desse revolucionário Carrossel Holandês, igualmente denominado de Futebol Total).

Mas, tinha também a  humildade para ser o sentinela de sua equipe, cuja defesa jogava no meio de campo, aplicando a linha de impedimento, em movimentos coletivos e agressivos em direção à bola. Lá no ataque, ele vigiava os bandeirinhas nessas ações típicas de sua equipe. Se, acaso, o impedimento do adversário não fosse marcado, Cruyff era quem partia para sua defesa a fim de cortar o lance, o que revelava um senso tático extraordinário, dom que lhe permitiu ser um singular treinador de futebol, no Barça, depois de pendurar as chuteiras.

De onde vinham aquelas ideias e a coreografia coletiva dos holandeses, foi a primeira coisa que perguntei a Cruyff, quando ele veio a São Paulo, pouco depois da Copa, para participar de uma promoção da TV Bandeirantes, numa mesa do restaurante do hotel Eldorado, ali na avenida São Luiz, onde varamos a madrugada falando de futebol e outras cousas e lousas.

Resposta: tudo nasceu na cabeça prodigiosa de Rinus Mitchells, entre outras coisas, professor de matemática na Universidade de Amsterdã, que, além de fino teórico era também um sargentão daqueles. Muito por conta de problemas graves enfrentado pelo técnico às vésperas do início da competição, que iam desde as disputas regionais entre Amsterdã e Roterdã até a ausência de zagueiros de ofício, o que obrigou o treinador a escalar dois volantes como beques – Reijisberg e Haan – , incluindo a falta de preparo físico do time.

Assim, Mitchels decidiu reduzir à metade ofensiva o campo de jogo, avançando sua defesa e protegendo-a via linha de impedimento, com seu goleiro Jongeblod atuando como autêntico líbero. Se o amigo encontrar aqui semelhança com o Barça e o Bayern de Guardiola não é mera coincidência, pois o treinador catalão não só bebeu na fonte de Cruyff no Barça como jogou sob seu comando.

Contudo, esse conceito todo, segundo me revelou Cruyff no tal papo da madrugada, vai mais fundo, tocando os hábitos e costumes enraizados na vida dos holandeses, que cultivam a forma circular em todas as suas celebrações.

Ela está presente nas mesas redondas, centro de encontros familiares nos lares holandeses, desde o prosaico almoço de cada dia até os encontros de amigos em torno de canecas de cerveja. E se estende às danças tradicionais, sempre quadrilhas em rodas, todos de mãos dadas, e assim vai.

Quer dizer: Mitchells promoveu uma revolução no futebol com base nas mais antigas tradições de sua gente, como se extraísse do inconsciente coletivo do holandês o desenho mais avançado da história do futebol e lhe desse forma e dinâmica incomparáveis, tendo no centro desse círculo infernal a figura única de Johann Cruyff.

Isso lhe diz algo, meu amigo?

 

 

 

 

4 comentários

  1. O primeiro jogo que assisti da Holanda em 74 foi o jogo contra o Uruguai fiquei de queixo caído nunca tinha visto um jeito de jogar como aquele. O Uruguai era um timaço com Pedro Rocha. A Holanda não tomou conhecimento em ganhou se não me engano de 4 x 0. Se o time do Brasil em 70 foi o maior de todos pela capacidade técnica de todos os jogadores, acho que a Holanda foi a melhor que vi jogar quando se trata de futebol coletivo e inovação tática. Cruyff era sem dúvidas a estrela do time.

    Dunga levará a Seleção Olímpica à derrota. O modo como ele assumirá o time é vergonhoso, só num país como o nosso, sem rumo e sem prumo. Dunga desmoraliza a comissão técnica que vem fazendo um bom trabalho.

  2. Dentro desta reflexão, com seu texto sempre girar tal qual o carrossel holandês- que não pude viver ao vivo, só em videotapes – acrescento: Michaells e Cruyff leram e sintonizaram-se com uma cultura liberal em aspectos muito amplos à época (imagine então nestes tempos de nosso facismo de botequim..) que culminariam em uma política avançada em relação às regulamentações das drogas e prostituição. Conservadorismo só traz mediocridades. É mais volantes.

  3. SR.ALBERTO,QUICA O JOHANN NO CONTOU PRA VOCE DE COMO REALMENTE SURGIO A IDEIA DO FUTEBOL TOTAL.ELE CONTOU PRO UM REPORTER ARGENTINO.A CAUSA FOI UM PROSAICO…..CIGARRO JOGADO NUMA POCA DE AGUA ,NUMA CONCENTRACAO,NUM DIA CHUVOSSO.ELE E RINUS ESTAVAN CONVERSANDO,O RINUS COM SUA TRADICIONAL GARRAFA DE WISKY E JOHANN COM SEU INFANTAVEL CIGARRO.O JOHAN JOGOU O CIGARRO NA POCA E O RINUS(MENTALMENTE ACIMA DA MEDIA)FICOU OLHANDO E PEDIU PRO JOHANN FAZER DE NOVO.JOGOU UMA PEDRA E O DT DISSE”TA VENDO O QUE EU VEJO?A PEDRA CAI E FAZ CIRCULOS PRA FORA!!!’JOHANN NAO ENTENDEU “E FACIL,SE O TIME FIZER O CONTRARIO,A PEDRA E A BOLA E AS ONDAS SAO OS JOGADORES,DE FORA PARA DENTRO,EM CIRCULOS,ATANCANDO A BOLA,JAMAS SEREMOS SORPRENDIDOS”BEM SEU ALBERTO,COMO VOCE SEMPRE DIZ.O RESTO E HISTORIA.ESTA HISTORIA E POUCO DIFUNDIDA,MAS E DE SUMA IMPORTANCIA,POIS EXPLICA FACILMENTE,UMA DAS MAIORES DESCOBERTAS NO FUTEBOL E UM DOS MAIORES TIMES QUE EU VI NA MINHA VIDA,E OLHA QUE VI O SANTOS DE PELE,BRASIL70,RACING DE JOSE,PENAROL.MAS NADA SE ASEMELHA AO PRAZER QUE DAVA AOS OLHOS VER ESTE TIME JOGAR!!!!!!!!!!!!

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