Um sonho vivido no Catar

Faltou entrosamento ao time comandado por Tite (Foto: AFP/Nelson Almeida)

Por Alexandre Silvestre

A minha primeira Copa do Mundo como torcedor foi a de 1982, na Espanha. Seleção mágica de Telê Santana, Falcão, Sócrates, Zico e cia bela, eliminada pela Itália de Paolo Rossi, na tragédia (para nós) do Sarriá.

A minha primeira Copa do Mundo como jornalista aconteceu em 2006, na Alemanha. Realizei a cobertura do Brasil mesmo, assim como as seguintes.

A Copa de 2014, em casa, esta sim teve um gostinho especial. Fiquei junto da Seleção em toda a preparação na Granja Comary (Centro de treinamentos do Brasil). Não marquei presença nos jogos, mas presenciei todos, absolutamente todos, os treinamentos do escrete canarinho, em Teresópolis. Um trabalho que marcou a minha carreira.

A de agora, em 2022 no Catar, ganha sem dúvida um peso extra. Deu-me, certamente, mais bagagem. Algo que sonhei a vida inteira e que faltava no meu currículo de 25 anos militando na área. Viajei para Doha, de mala, cuia, camera e tripé para noticiar, presencialmente, os fatos do maior evento esportivo do Planeta. E não é que quase deu zebra?

A credencial da Fifa chegou em cima da hora e o pior estava por vir. Na véspera da viagem peguei Covid! Cancelei o voo e tive de zerar da infecção em uma semana. Coquetel de drogas lícitas na veia e pimba! O teste negativou e embarquei, nervoso de tudo, para o Oriente Médio. O tempo que perdi me obrigou a acelar alguns processos: entender a cidade e sua logística e o uso do equipamento de transmissão, as questões mais delicadas.

Foto: Gazeta Press

Peguei entrosamento nos primeiros dias e a coisa deslanchou. Faltou o mesmo para a equipe comandada por Tite, que nem sempre venceu, nem convenceu e que ficou novamente pelo caminho. E a fila aumenta. A última Copa que conquistamos foi em 2002, o penta.

Convencido fiquei eu, de que uma cultura tão diferente da nossa merece respeito, admiração e também crítica – um país rico, limpo e seguro, que contrasta com habitos machistas, homofóbicos e nada democráticos em muitos sentidos.

Caminhar na madrugada, sozinho, com o celular na mão, por ruas desertas e terrenos baldios não me assustaram. A justiça do Catar é implacável em vários quesitos. Uma jornalista argentina que foi roubada, num caso raro e isolado, teve o telefone móvel recuperado pela Polícia. As autoridades deram a ela o direito de decidir qual a punição para o ladrão que fora pego com a boca na botija… Deportação ou cinco anos de prisão.

Prós e contras de uma nação forjada na riqueza da extração de petróleo, na religião mulçumana e numa ditadura que não se esconde debaixo do tapete. Numa certa manhã, adentrei ao suntuoso complexo de imprensa gravando imagens para uma reportagem. A segurança do ‘Midia Center’ levantou a sobrancelha, torceu o nariz e me levou para o cartão. Obrigou-me a mostrar as fotos e videos registrados em meu aparelho. Tentei argumentar. Arrisquei-me a perder meu direito de ir e vir e percebi que liberdade de expressão não é um conceito popular por essas bandas. Já sabia…Quis experimentar na prática. Sou teimoso.

Aliás, a própria Fifa, poderosíssima, não é das entidades mais liberais do Globo. Controla demais o trabalho da Mídia e dá autonomia bem limitada aos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas.

Mbappé briga pelo título da Copa do Mundo (Foto: AFP/Franck Fife)

Comentaristas, mais ácidos e investigativos…Que transmitam suas opiniões contrárias de longe. Não são bem vindos nos espaços da Copa. Se para quem paga caro pelos direitos de transmissão é assim, imagine para quem não não dispõe dos direitos, como o meu caso. O negócio então é reclamar do técnico, dos atletas, dos esquemas tácticos e/ou do Var (o tal árbitro de vídeo). Isto sim ainda está permitido. (Risos irônicos)

Chorei quando percebi que não veria os jogos do Brasil, nem escutaria em aplicativos de rádio (bloqueados). O tiozão aqui, de 49 anos de idade, meio imaturo, confesso, explica. Sem acesso aos estádios, fiquei  do lado de fora. No segundo jogo, sentado no chão em frente ao portão de uma das Arenas, liguei para a minha mãe, pai, filha e esposa. Lembrei dos meus saudosos avós e da infância linda que tive. A emoção tomou conta de mim.

Copas mexem muito comigo. Nem tanto pelo jogo (que adoro), nem pelo patriotismo (que tenho). Futebol me traz lembranças da época de criança, das minhas relações familiares e de tempos que não voltam mais. Estava eu, ali, diante da vitrine de uma das minhas maiores paixões, sem poder tocá-la ou desfrutar dela. Tive uma sensação ruim. Como poderia eu me comparar a um moleque de rua faminto, assistindo a um patrão qualquer num restaurante, degustando um delicioso e suculento prato de comida da mais alta qualidade? Envergonhado com a comparação que minha mente criou, virei a chavinha e passei a me comportar de maneira mais profissional.

Mais focado com o meu compromisso, consegui mostrar algumas dessas dificuldades que encontrei no exercício da profissão no âmbito esportivo; e no social, flagrar a realidade de muitos trabalhadores estrangeiros que vem para o Catar em busca de uma vida melhor. Boa parte do país (mais de 80%) é formada por imigrantes de países vizinhos ou próximos (Índia, bangladesh, Paquistão e etc). Gente humilde e da melhor qualidade. Pessoas educadas e prestativas. Conectei-me bastante com o Brasil, dos nossos amigos nordestinos e do Norte, que procuram oportunidades no Sul e Sudeste do nosso território continental.

Um povão apaixonado por Futebol, que sofreu com mais uma eliminação precoce da canarinho em Mundiais. Torcida que viu nossos jogadores ostentarem, fora de campo carne temperada a ouro, em vez de comer grama e a bola. Na verdade deveriam ter jogado mais à moda brazuca: arroz com feijão, temperadinhos no alho e na cebola. Opa! Bem lembrado. É disto que estou com saudades. Com farofa, de preferência, e uma cerva gelada trincando no copo junto da minha família e amigos queridos.

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