VAR sul-americano e europeu – diferenças abissais

As diferenças entre o VAR sul-americano e o europeu são muito grandes, tanto na atuação quanto nos conceitos filosóficos. De fato, pois enquanto na Conmebol e particularmente no Brasil, o V AR é muito intervencionista, agindo inclusive para analisar lances muito duvidosos, na Europa e em especial na Premier League, dá-se exatamente o contrário, ou seja, o VAR atua pouco e, às vezes, é até omisso, porquanto, mesmo diante de faltas claras, vez por outra, o VAR de lá não atua.

A situação da Europa no aspecto conceitual se deve à equivocada ideia de prestigiar a decisão de campo, quando o árbitro estiver bem colocado, ou porque o erro não teria sido “grosseiro”. Em contrapartida, em nossa América não é raro o VAR atuar até para definir se houve ou não falta. Ambas as situações são inaceitáveis e ferem o objetivo do uso da tecnologia.

Para afastar essa injustificável incongruência, que vem tirando da arbitragem e do próprio futebol seu basilar princípio de universalidade, é necessário que se encontre, com urgência, um ponto de equilíbrio, para afastar os particularísmos e, portanto, para ser aplicado mundial e uniformemente, até para não tornar vulneráveis as normas da International Board e, desse modo, não quebrar a hierarquia entre os órgãos responsáveis pelo futebol, a exemplo da própria FIFA quando inova em seus torneios sem participação da International Board.

Agravando o atual cenário, ainda temos a ignorância, na real acepção da palavra, de muitos dos agentes do futebol, destacando-se alguns técnicos e jogadores e parte da imprensa especializada que, por nada ou pouco conhecerem, ora desejam o uso da tecnologia sem limites e até por iniciativa do próprio árbitro, ou seja, sem provocação do VAR, o que é inconcebível, e em outros instantes pretendem que o VAR só atue em lances grosseiros. Todas essas concepções, por óbvio, ferem a filosofia dessa extraordinária ferramenta, como ela é e como a concebemos em nosso projeto encaminhado pela CBF à FIFA/IFAB, em 2015, nas gestões de Marco Polo Del Nero e de Sergio Correa, que atuavam com responsabilidade institucional.

A questão, assim, é o que fazer e como fazer para encontrar um ponto de equilíbrio que afaste esses indesejados e inconsistentes extremos. Como se não bastasse, o que comprova que ambos os sistemas estão errados, há constantes oscilações, ora para mais, ora para menos, de ambas as entidades, ou seja, ora a Conmebol atua como se fosse a Europa e vice-versa. O alcance desse ponto de equilíbrio passa, antes de tudo, pelo respeito e mentalização, por toda a comunidade do futebol, da razão de ser do VAR: Corrigir “erros claros, óbvios”, nos lances de sua competência.

A tarefa não é fácil, até porque haverá situações que provocarão dúvida, tanto sobre se o VAR deveria interferir, como, mesmo interferindo, se a decisão tomada seria a correta. Essa margem, todavia, será muito estreita se o indicado princípio do “erro claro, óbvio” for respeitado. É bom dizer, não obstante, que “erro claro, óbvio” não se confunde necessariamente com erro grosseiro, que, para alguns, seria o único a ensejar a interferência do VAR. De outro lado, tambem é fato que o “erro claro, óbvio” dificilmente se caracteriza em lances de fina interpretação.

Não obstante e em contrapartida, quem sabe a essência do futebol concebe que uma leve ação de empurrar um adversário com os braços, em especial pelas costas e separados do corpo do jogador que empurra e que faça o adversário perder o tempo da jogada, pode caracterizar “erro claro, óbvio” e assim provocar a atuação do VAR. Exigir que o empurrão seja grosseiro, acintoso ou mesmo confundi-lo, nas condições referidas, com carga por busca de espaço, em que os braços não podem ser usados, corresponde a desconhecer a regra, seu espírito e a essência do futebol.

Também é preciso afastar a equivocada ideia de que se o árbitro estiver bem colocado o VAR, só por isso, não deve atuar. Este é um grande engano, um enorme engano, porquanto o árbitro pode estar muito bem colocado e errar, assim como mal posicionado e acertar. O que importa, destarte, é definir se houve ou não “erro claro, óbvio”, com base em imagens claras, possibilitando ou não a atuação do VAR, independentemente de o árbitro estar bem ou mal colocado, reitere-se. Tudo deve ser, portanto e vale repetir, centrado na filosofia do “erro claro, óbvio”, nas regras do jogo e na essência do futebol, o que somente será alcançado com instrutores e árbitros competentes e compromissados.

Também será indispensável, absolutamente indispensável, que o VAR tenha a plena e inafastável consciência de que sua função jamais pode servir para dar uma segunda oportunidade para o árbitro rever os lances e, muito menos, para que o próprio VAR se exima de sua responsabilidade de definir se houve ou não “erro claro, óbvio” e, assim, transferir para o árbitro esse encargo, o que será um verdadeiro desastre técnico, profissional e de ética ! Se é verdade que não é tarefa fácil definir com segurança o que é um “erro “claro, óbvio”, mais verdade ainda é que se não houver perseguição dessa fronteira, alcance desses princípios, dessa consciência profissional e dessa filosofia, o VAR continuará inconsistente e fadado a frustrar a expectativa que o mundo do futebol concebeu. Será um sonho desvanecido!

Desse modo, se pretendemos um VAR coerente, que cumpra o princípio da universalidade do futebol e que respeite as regras do jogo e sua essência, devemos eliminar essas distorções técnicas, protocolares e até antiéticas. Para tanto, os árbitros precisam ser retreinados, além de em outros aspectos, para, salvo as situações de delay da bandeira e/ou do apito, atuarem como se não houvesse VAR. De seu turno, os profissionais que trabalham como VAR devem ser igual e rigorosamente reinstruídos para mais incutirem o princípio do “erro claro, óbvio” e mais afastarem a infeliz concepção de dar uma segunda oportunidade ao árbitro para rever os lances, bem como para deixarem de lado a ideia de erro grosseiro, tudo independentemente da colocação do árbitro em campo, repita-se, reitere-se por indispensável.

Ademais, também será necessária uma forte campanha de divulgação dos princípios do VAR para todos os agentes do futebol. Somente agindo assim resgataremos o tempo perdido e alcançaremos o objetivo filosófico do VAR e, portanto, teremos um futebol mais justo, ético e universalizado. Os lances complexos, não claros sobre o sim ou o não, que, por isso, jamais alcançarão conclusões incontroversas, não contaminarão o objetivo e a utilidade do VAR. Tenho dito.

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