Botafogo: vítima de regra ruim e de interpretações equivocadas

Diego Costa em ação contra o Atlético-MG (Foto: Vitor Silva/Botafogo)

A essência do futebol exige que suas regras sejam harmônicas em todo o seu conjunto, a fim de disciplinar os jogos como um todo e não que haja um amontoado de critérios distintos para lances filosoficamente semelhantes.

O Botafogo, ao menos nos jogos contra o Flamengo e contra o Atlético Mineiro foi vítima tanto de regra ruim como de interpretações equivocadas.

No jogo com o Flamengo, o lance do tiro penal claro, embora muito pouco comentado ou, até, analisado equivocadamente, foi um grande erro de arbitragem, sobretudo porque o VAR, provavelmente, foi “engolido” pela análise de campo.

Com efeito, aos 34 minutos da primeira etapa, um defensor do Flamengo, ao pressentir que a bola passaria por ele, deslocou sua mão de cima para baixo na direção da bola e cometeu um tiro penal, que se caracterizou por ação claramente deliberada. Tanto foi assim que o defensor recolheu seu braço com muita rapidez para ocultar sua ação, o que não ocorreria se o contato fosse acidental e/ou se seu braço, no momento do toque, estivesse em posição natural. O lance Incidiu em texto expresso da regra de mão: “colocar a mão/braço na direção da bola”.

Não obstante, a equipe VAR não recomendou a devida revisão, como dito, supostamente “engolida” pela narrativa do árbitro central, em que pese as imagens demonstrarem ostensivamente a intenção do toque.

Aqui, o Botafogo foi vítima de uma equivocada interpretação, tanto da equipe de campo como do VAR.

No mesmo jogo, ainda houve uma falta indiscutível a favor do Botafogo, antes do segundo gol do Flamengo, que não foi marcada.

A propósito desta falta, é bom lembrar que os contatos entre jogadores que estão lado-a-lado e que podem não ser faltosos, desde que não haja uso dos braços para segurar ou empurrar, são bem distintos daqueles em que o contato é nas costas, especialmente se houver uso dos braços, quando, salvo se absolutamente insignificantes, são sempre faltosos, como foi o caso, uma vez que o jogador do Botafogo foi empurrado pelas costas, caiu e perdeu a posse da bola.

Raphael Claus, um dos mais competentes árbitros da atualidade, precisa tomar cuidado para não ser envolvido por um sistema de arbitragem

centrado na errada ideia de deixar o jogo seguir, não marcando “pequenas faltas”. Falta é falta, grande ou pequena, que só pode deixar de ser marcada quando houver vantagem.

É bom ressalvar que neste lance o VAR nada poderia fazer, pois a fase de ataque (a denominada APP) já havia sido superada tanto pelo tempo (32 segundos), como pela longa sequência de passes dada pelo Flamengo, ocorridos entre a falta não marcada e o gol assinalado.

Por conseguinte, este erro, apesar de ter sido de exclusiva responsabilidade da equipe de campo, teve clara interferência no desenvolvimento do jogo, por ser certo que, se a falta fosse marcada, a partida teria outro curso e o gol, ao menos na mesma sequência, não seria marcado.

Também no jogo contra o Atlético Mineiro, o gol que daria o empate ao Botafogo foi anulado indevidamente.

Neste caso, além da regra ruim, houve técnica de arbitragem deficiente; interpretação equivocada do conceito de desvio; e ferimento ao Protocolo do VAR.

A regra ruim e que revela mil incongruências para a essência do jogo consiste nos seguintes fatos:

a) um toque na bola por um defensor que não seja deliberado, mesmo que mude claramente a trajetória da bola, como foi o caso, não habilita um atacante que esteja em posição de impedimento na origem. Ao dispor assim, a regra fere o princípio de causa e efeito, ou seja, a razão pela qual a bola foi para o atacante que inicialmente estava em posição de impedimento;

b) em contrapartida e não obstante, um toque em um atacante, por mais sutil, involuntário e que não interfira na trajetória da bola caracteriza nova jogada e coloca em posição de impedimento o atacante que inicialmente estivesse em posição legal;

c) por consequência de tudo, a regra trata diferentemente os toques na bola por atacantes e defensores, quebrando o princípio da igualdade;

d) mas não é só. Ademais, tais disposições ferem a filosofia propagada pela FIFA de prestigiar o gol.

e) Por fim, a própria regra cria dificuldades muito elevadas para os árbitros sobre a distinção entre o “jogar deliberadamente” e o

“desviar a bola”, sobretudo com a mais recente orientação sobre o fato de o jogador ter domínio de seu corpo para a ação que pratica, considerando as circunstâncias de a bola encontrar-se no solo, no ar e/ou de a jogada ser com a cabeça ou com os pés, o que termina por conduzir a impressão de que os jogadores, embora isto seja da essência do futebol, só estejam habilitados para jogar com os pés e com a bola sobre o solo! Absurdo que nega a capacidade dos jogadores e a essência do futebol.

O certo, pois, a nosso entender e como já sugerimos à IFAB-International Football Association Board e à própria FIFA, seria a regra respeitar o princípio da causa e efeito, ou seja, definir a razão pela qual a bola chega a um atacante que esteja em posição de impedimento. Assim, se a bola tiver sua trajetória desviada e passar a ser a causa pela qual o atacante que estava em posição de impedimento passou a interferir no lance, não deveria haver infração, independentemente da forma como o defensor jogou ou mesmo de a bola haver rebotado nele e/ou de estar pressionado por outro adversário, mesmo em bolas jogadas de perto e em alta velocidade. Tudo seria centrado no princípio da causa e efeito, que beneficiaria o futebol, possibilitaria mais gols e eliminaria a complexidade que a regra hoje revela.

Esse sistema, além do mais, não seria injusto, pois ambas as equipes seriam tratadas igualmente, circunstância que hoje não ocorre, pois as interpretações são conflitantes: ora sim, ora não.

No caso do gol do Botafogo contra o Atlético-MG, todavia, mesmo considerando, como é de dever, a atual disposição da regra, é indiscutível que o gol foi legitimo e, portanto, que não deveria ser anulado. Afinal, jogar bem ou mal é próprio do futebol e a regra não pode proteger o jogador que joga mal, ainda que por cansaço, muito menos por deficiência técnica.

No caso, a bola veio de longe; com velocidade baixa; o defensor se deslocou para a bola (atacou a bola); praticou seu movimento com plena liberdade; e chutou a bola com claro conforto, em que pese a proximidade de um adversário, que não pode ser confundida com o ato de disputar a bola.

Disso resulta que o competente Bruno Pires analisou muito mal a jogada.

Mas não foi só. Ademais, como recomenda a boa técnica de arbitragem, até pela distância que Bruno estava do lance, o certo seria não levantar a

bandeira, tampouco correr para o meio do campo. Assim, Bruno deveria ter feito contato visual e verbal com o árbitro, embora se adotasse a postura de nem levantar a bandeira nem correr para o meio do campo já significasse que havia posição de impedimento e que o árbitro deveria decidir se o defensor jogou deliberadamente ou desviou a bola, sendo certo que poderia opinar, mas não decidir, como fez.

Técnica de arbitragem à parte, pois aqui reside o erro principal, justamente porque o jogo contava, como contou, com auxílio do VAR, o correto seria que este recomendasse a revisão do lance, pois as imagens demonstram que houve clara jogada deliberada, que é situação interpretativa e não de fato, quando uma revisão não precisa ser feita.

Houve, pois, erro de interpretação e de ferimento ao Protocolo VAR.

Diante de tudo, ainda cumpre demonstrar a incongruência da regra no particular e que é mais uma razão para acolhimento da sugestão que oferecemos. Com efeito, se o toque na bola fosse dado pelo atacante que estava próximo do defensor, o gol seria válido, uma vez que nasceria nova jogada. Resultado: a bola vinda de um oponente o gol é ilegal, mas vinda de um companheiro seria legal.

Para mais demonstrar que houve jogada deliberada do defensor do Atlético-MG, cabe lembrar o princípio da essência do futebol, que exige que suas regras sejam harmônicas em todo o seu conjunto. É que se naquela situação a bola tocasse no braço do defensor que jogou a bola, ainda que de modo acidental, haveria infração de mão, em razão da distância de onde a bola foi jogada e de sua velocidade, pois o defensor deveria agir com cautela e cuidar dos braços. Se assim seria, é justamente porque o defensor teve tempo para jogar a bola deliberadamente, como o fez, afinal. Gol anulado irregularmente.

Nesses dois jogos, portanto, o Botafogo ou foi vítima de regra ruim e/ou de interpretação equivocada.

Por isso e como desejamos que o futebol tenha regras e interpretações harmônicas, ainda cabe comparar o lance do gol anulado do Botafogo contra o Atlético-MG, com o gol contra feito pelo próprio Botafogo a favor do Flamengo, que foi claramente regular, pois em nenhum deles os defensores sofreram pressão de seus adversários, além do que tiveram tempo e espaço para jogar deliberadamente, como fizeram.

De outro lado, vale lembrar que o gol contra do Botafogo a favor do Flamengo, que foi regular, repita-se, reforça a certeza de que o gol do Vasco contra o Palmeiras também foi legal, ao contrário do que disse a Comissão de Arbitragem da CBF, surpreendendo o mundo da arbitragem.

A CBF, por meio de sua comissão específica, precisa descobrir o caminho das pedras, ou melhor, de uma arbitragem coerente, de modo a dar segurança às competições que coordena e legitimidade aos resultados dos jogos.

Ao leitor a palavra final.

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