Por que o centenário daqui nos EUA?

Foto: AFP
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Como me considero um velho ingênuo e desinformado, peço ajuda aos amigos: alguém aí é capaz de me explicar por que a celebração do centenário da Copa América (antigo Campeonato Sul-Americano) se dará nos EUA, país que não guarda a mais remota identificação com esse torneio?

Em geral, nesses casos, esse tipo comemoração se dá na sede em que a competição teve início. E foi na Argentina, em 1916, que nasceu o Campeonato Sul-Americano. Aliás, denominado de Extra, porque o não estava oficialmente em jogo a Copa América, posto que o Brasil, dividido entre Rio e São Paulo sobre qual seria a entidade maior desse esporte, não era então reconhecido pela Federação Sul-Americana, a atual Conmebol.

O ministro das Relações Exteriores, Lauro Muller, conseguiu convencer os paulistas a aceitarem a Federação Brasileira de Sports (atual CBF), sediada no Rio, e a turma embarcou de trem para Buenos Aires, numa viagem de quatro dias, chegando em Buenos Aires na hora do jogo contra o Chile (empate por 1 a 1).

Isso, porque Lauro Muller havia reservado um navio para a Seleção Brasileira ir mais depressa. Contudo, nossa delegação, ao tentar embarcar, foi barrada por ninguém menos do que Ruy Barbosa, o Águia de Haia, que estava a bordo e se negava a viajar com esses reles jogadores de bola.

Bem, mas esse é apenas mais um capítulo do grande anedotário que é a história do Brasil.

Voltando à vaca fria, talvez o amigo mais instruído me dirá que a escolha dos EUA faz parte da tal globalização, a necessidade de se incluir esse gigante do mundo ainda tão avesso ao nosso futebol que eles chamam de soccer. Algo parecido com o que João Havelange, na Fifa, fez com a Copa de 94.

Curioso que, lá, em pleno Vale do Silício, na Califórnia, capital da informática, penamos o diabo para transmitir matérias via internet para o Brasil. Sem falar nos estádios e acomodações para a imprensa, que nem roçavam os pés da estrutura oferecida vinte anos antes pela Alemanha.

Mas, enfim, fico aqui cogitando sobre esse negócio de globalização. O que vem a ser, afinal?

Mac Luhan, o inventor da aldeia global e dos conceitos que resultariam nas atuais redes sociais sem fronteiras, imaginava um mundo em que as culturas dos povos se interligariam incessantemente, aumentando o repertório das pessoas num nível de diversidade jamais visto antes na história da humanidade.

Então, sou remetido à minha infância mais tenra, lá pela virada dos anos 40 para os 50.

Saía na hora do almoço do Grupo Escolar Rocca Dordal, onde se entra burro e sai animal, no velho Brás dos imigrantes,  e vinha caminhando em direção à minha casa.

As janelas abertas das casas coladas umas às outras, debruçadas diretamente sobre as calçadas, espargiam aromas e sons os mais variados. Da casa do Paco, aspirava-se puchero, embalado por um paso doble de arrepiar; na do Salim, era o cheiro de esfihas com sons de música árabe; da janela da dona Concceta exalava o molho do macarrão misturado com filaturas incríveis de  Carlo Butti; do seu Baltazar, o feijão com arroz salpicado de um samba rasgado, e assim ia, pois naquele tempo as rádios transmitiam o tempo todo programas de músicas de todas as nacionalidades e regiões: desde as tantas variedades brasileiras até as destinadas às colônias hebraicas, música francesa, alemã, o tango, o bolero etc. Isso, sem falar na música americana com todos os seus segmentos, das bands a Sinatra e Bessie Smith.

A partir dos onze, doze anos de idade, do ginásio ao vestibular pra faculdade, aprendia-se latim, língua mãe do nosso idioma, espanhol, inglês e francês, sem falar, claro, no português pra valer.

Os cinemas exibiam filmes americanos, óbvio, mas também nacionais (chanchadas da Atlântida e dramas e comédias da Vera Cruz) franceses, italianos, suecos, aqueles dramalhões mexicanos etc. E o teatro ia de Silveira Sampaio a Ionesco ou Ibsen.

Na tv, o de maior sucesso era o Céu é o Limite, programa de perguntas e respostas (o quizz de hoje) em que uma das maiores atrações era madame Lacerda Soares respondendo sobre Proust, imagine!

Hoje, a molecada sarada corre pelas ruas e parques com fones de ouvido que, se retirados e amplificados, emitirão um único som de guitarra eletrônica. E correm em direção ao mais próximo fast-food, onde se empanturram com cachorros-quentes, batatinhas e cerveja tomada diretamente do gargalo da garrafa ou do bico da latinha, o que elimina da velha birra seu mais requintado sabor: a espuma.

Fico, pois, aqui matutando se a tal globalização de hoje não é apenas o império do Império, enquanto a verdadeira globalização era aquela troca permanente de informações e culturas do Brás da minha infância perdida.

11 comentários

  1. Sua conclusão final está correta. Os entusiastas da globalização defenderiam essa troca rica de experiências como ícone do processo, mas ela realmente se mantém mesmo por um compromisso global com algumas regras econômicas e políticas. Criaram a ONU e hoje até esta também nos vende certas coisas que não precisamos… Mas, oxalá a molecada ouvisse em seus fones King Crimson, Frank Zappa, Steely Dan ou até mesmo os mais pops e “modernos” Iron Maiden, Guns n’ Roses, Metallica entre outros… O que irradia daqueles fones, ou é um gênero totalmente descaracterizado embora ainda chamado de Sertanejo, ou uma verdadeira praga ruidosa que corrói tudo a sua volta e esteriliza os ouvidos, algo que muito ironicamente atende pelo gênero de nomes como James Brown, Parliament, Funkadelic, Herbie Hancock, Commodores, Earth, Wind and Fire, Kool & The Gang, Tim Maia, etc. No lugar dos ricos grooves, existe uma renitente batida que chimpanzés podem facilmente imitar com seus sons habituais. Pois é, a modernidade avançou, trouxe os smatphones mas não garantiu nem bons ouvidos às gerações atuais neste canto “esquecido” do mundo.

  2. Bom concordo sr Alberto Helena está tal globalização ? talvez Copa América nos E.U.A bom ? os americanos organizam melhor as coisas que nos Brasileiros ? ou o chamado terceiro mundo que é a América Latina, apesar do futebol lá ainda está começando , mas já tem mais publico que o campeonato Brasileiro ? . Foi noticiado pelo site globoesporte.com que a próxima Copa América sera no Brasil em 2019 , já era pra ser em 2015 onde foi no Chile , mas por razões desconhecidas a Copa América foi disputada no Chile ,

    Referente a Copa América de 2019 no Brasil o presidente da Conmebol veio pessoalmente ao Brasil conversar com dirigentes de clubes e talvez a televisão abraços ate mais …

  3. Grande mestre Alberto Helena jr
    Moro nos estados unidos e na minha humilde opniao a resposta para esta decisao se chama dinheiro. O dinheiro que as federacoes esperavam arrecadar na copa ouro por causa dos patrocinios e tudo mais sera o maior de todas as recentes copas america. Quando nao se tem aparente logica, eh porque a logica esta no lucro dos cartolas. Grande abraco,

  4. Excelente ponderação!
    Parabéns……
    raciocínio LÓGICO e que só mostra a cultura de quem de fato presa suas origens, sem menosprezar outras culturas, pelo contrário, exaltando-as…..
    Se me permite, “faço minhas as suas palavras”……
    Cumprimentos,
    Marcos Silva.

  5. Morei nos USA uns tempos meu nome lá era John Sardine, como imigrei para o Brasil tive que mudar o nome para João Sardinha. Confesso que como Sardine tinha muito mais visibilidade, conseguia bons contactos, grandes figuras me convidavam para falar sobre soccer, até a mulherada olhavam-me com outros olhos.Hoje como Sardinha me limito a escrever esses pitacos aqui no Blog e ninguém me convida sequer para um cafezinho.

  6. Caro Alberto: lembro também da carrocinha de churros do Tanú na entrada do cortiço onde morava na Rua Visconde de Parnaiba

  7. O Amigo da Onça: Criação Imortal de Péricles:

    Oh Dunga! A lista de 40 está acabando, o próximo da lista é o Ganso..
    Era, a FIFA me autorizou a aumentar para a “A Lista dos 100”

    Ih Ih Ih!!

  8. Eu fico, também, aqui matutando sobre esse império do império, sem chegar a uma conclusão óbvia sobre onde chegaremos com esta subserviência pseudo-global. Espero, ao menos, que nos reste a cultura miscigenada que nos salve dos estéreis ventos do norte.

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