Uma das tantas coisas que me incomodam na mídia esportiva é essa mania generalizada de tachar de linha burra aquela tentativa de a defesa provocar o impedimento do atacante adversário.
Esse expediente, de burro, não tem nada. Ao contrário: é um truque muito inteligente de abortar uma jogada perigosa sem nem mesmo ter de disputar a bola. Com um passo à frente, economiza-se tempo e energia. Se é bem executada ou não, é outro departamento.
Esse recurso começou a ser utilizado pelos argentinos, lá nos anos 50, e foi incorporado pelo mais elegante, técnico e inteligente zagueiro brasileiro que vi em ação: Mauro Ramos de Oliveira.
Diante das vertiginosas tabelinhas Pagão-Pelé, Pelé-Coutinho, Mauro, ainda no São Paulo, nem se preocupava em barrar o recebedor do último passe, fosse ele Pelé, Coutinho ou Pagão. Dava um passo à frente, deixando-o impedido. Aliás, foi além. Por via das dúvidas, não apenas se adiantava no último passe, como aproveitava o embalo e barrava com o corpo o passador que poderia eventualmente ser o finalizador, na sequência da tabela. O juiz, de olho na bola, demorou para perceber o lance maroto.
Mas, a elevação desse recurso à mais surpreende e genial estratégia de jogo deu-se com a Holanda de 74. O que era um passo adiante, passou a ser a carga de uma horda de holandeses sobre o adversário com a bola já lá no círculo central. Era um bando em revoada sobre um só, o que lhe tirava qualquer chance do passe ou do drible. E, bola retomada, já se iniciava o ataque holandês contra uma defesa desprevenida, saindo para se posicionar mais à frente. Três movimentos num só: deixar o ataque inteiro adversário em posição de impedimento, recuperar a bola, e, no ato, partir para o ataque inesperado.
E, como garantia extra, o centroavante Crujyff, o craque da equipe, que estaria de costas para o gol adversário e de frente, portanto, para a jogada, caso percebesse que a bola foi enviada a um atacante inimigo e o bandeirinha não marcou, era ele quem partia para sua defesa a fim de impedir a sequência da jogada.
Rinus Mitchels, técnico do Carrossel Holandês era também treinador do Barça, onde o zagueiro Marinho Perez colheu esse princípio e, ao desembarcar no Inter maravilhoso de Rúbens Minelli, bicampeão brasileiro de 75/76, ao lado do inigualável Figueroa, passou a aplicar com pleno êxito esse expediente.

A expressão Linha Burra, cunhada e disseminada por João Saldanha, quando assumiu a Seleção Brasileira no final dos anos 60, contudo, nada tinha a ver com a linha de impedimento.
Saldanha saiu, à época, em peregrinação pelo Brasil decretando o nascimento de sua Feras e a morte da Linha Burra, que ele explicava didaticamente do que se tratava, inclusive utilizando-se das bolachas de chope sobre uma mesa, simbolizando os quatro zagueiros.
A coisa era assim. Nossos zagueiros, à época, formavam uma linha de quatro sem sobra. Enfileirados dessa forma, na horizontal, bastava que o atacante inimigo passasse por um que teria passado por todos. Então, era necessário ter sempre um zagueiro na sobra. E mais: como naquele tempo ninguém se arriscava a atacar o Brasil com mais de dois atacantes, pra quê quatro zagueiros lá atrás? Três bastavam , o quarto que fose pra frente ajudar na armação e no ataque. Se o adversário atacar com um só, dois beques dão conta do recado; os outros dois que se mandem ao ataque.
Como se vê, há uma linha burra na transmissão, causando ruído na história e nos ouvidos do torcedor mais jovem.
Grande Helena! O senhor dá aula a cada texto que escreve. Aulas de português e de futebol. É um privilégio tê-lo como colega aqui na Gazeta. Ensinou-me até sobre questões familiares. Na festa de fim de ano comentou, sem papas na língua, certas posturas no meu avô, Jota Silvestre, ex-apresentador de TV e ligado ao governo militar, quando dirigiu a Radiobrás na década de 80. Mestre Alberto!