Perigo no ar e no campo

Não, não confio em políticos – sejam os nossos, sejam os de fora, pertencentes a qualquer matiz do largo espectro ideológico existente. Na verdade, não confio mesmo é na raça humana. E até hoje não entendo como os religiosos cometem a suprema heresia, segundo suas próprias crenças, de dizer que fomos feitos à imagem de um Deus perfeito e onisciente. Nem mesmo sob o argumento falacioso do livre arbítrio isso se sustenta pela razão.

Assim como não creio no homem providencial, o messias, o salvador da humanidade ou de um povo em especial. Os que não morreram antes da hora, transformaram-se em horrendos tiranos que mais infelicitaram suas gentes do que as salvaram.

Mas, longe de mim entrar nesse labirinto complexo de conceitos e paixões aqui.

O que me move a tratar de coisas similares é outra questão, no fundo, correlata. Refiro-me à manifestação de meia dúzia de pessoas na Paulista neste final de semana, pedindo a derrubada da recém-reeleita presidente Dilma e a reinstauração da ditadura militar. Pobres almas que vagueiam pelas sombras da ignorância mais absoluta.

Ainda mais perigosa, quando recebe o revestimento pretensiosamente intelectual dessa nova horda de comunicadores reacionários que invadem os jornais, o rádio e a tv brasileiros.

Nasci sob a ditadura Vargas e respirei os ares da chamada República Populista de breve existência antes da instalação da ditadura militar, sucedida pela abertura e a volta à democracia plena, com todos os seus defeitos, mas, ainda, a melhor de todas as formas de governo criadas pelo homem até hoje, acredite.

Foi uma luta cruenta restabelecer o sistema democrático, meu. Os mais jovens, muitos daqueles que pediam a volta da ditadura na avenida, não têm a mais remota ideia do que foi. Justamente a luta para que eles tivessem o direito de se manifestar livremente nas ruas.

E Dilma tem a pele a a alma marcadas por essa luta. Atuou como resistente, foi presa e barbaramente torturada. Quantos dos que estavam ali na avenida, em plena segurança, teriam força interior para defender seus princípios numa câmara de tortura?

Não, não votei nela, nem em Marina, nem em Aécio, como não votaria em Eduardo Campos, se vivo ainda estivesse. Não pertenço ao PT nem jamais me filei a partido algum, entre outras coisas, porque acho que um jornalista não deve, por dever de ofício, fazê-lo. É fundamental, nessa profissão, manter os olhos abertos e a mente livre o máximo de qualquer influência.

Mas, sua biografia exige respeito, até prova em contrário. E, mesmo que se prove sem sombras de dúvidas, seu envolvimento no escândalo da Petrobrás, ainda assim, deve pagar por isso, e louvada por seu passado heroico.

Por outro lado, até agora, apesar de todos os aloprados do PT e demais filiados a outros tantos partidos, vivemos num regime de plena liberdade de expressão. Nada que justifique essa crescente conspiração contra as autoridades constituintes, muito menos contra o regime vigente.

Já vi esse filme de terror antes. Carlos Lacerda conclamando a sedição das forças armadas contra um Getúlio eleito licitamente pelas urnas; Adhemar de Barros, aquele cujo slogan era Rouba mas Faz, indo à televisão e anunciando o golpe contra Jango: “Meus caros patrícios, minhas caras patrícias, vistam as capas, calcem as galochas, abram os guarda-chuvas porque vai chover!” E choveu, a chuva ácida da ditadura.

Se o amigo, a amiga, pensa que, tirando Dilma na marra do poder, as coisas vão mudar, olhe para o passado. Espie o presente, então. Aécio ou qualquer outro dos pretensos pretendentes ao trono teriam o poder de mudar? Acredita mesmo nisso?

Respondo com aquela sábia frase do personagem do anúncio da tv: “Sabe nada, inocente”.

Crê que o presidente da República do Brasil, como de resto o dos EUA, da Alemanha, da França, da Itália, realmente determina os rumos da nação, em todos os sentidos? Eles ostentam o cetro, mas o poder real, visceral, se concentra em outras esferas, aquelas onde o dinheiro se multiplica dormindo. E, quando acorda, se distribui parcimoniosamente entre todos os demais centros do poder político e legal, direta ou indiretamente.

E o que essas filosofices têm a ver com o futebol, nosso assunto de praxe?

Nada e tudo, se considerarmos que o futebol é um microcosmo do nosso cotidiano, breves histórias de 90 minutos que recontam nossas paixões e conceitos do dia a dia. Essa compulsão do torcedor pelo homem providencial, o salvador, o messias, está lá presente a cada rodada na figura do craque que fará o gol decisivo, no goleiro que defenderá a bola fatal. O ódio ao poder discricionário está lá na personificação do juiz corrupto, safado ou simplesmente incompetente. O inimigo a ser varrido da face da terra é aquele sujeito que veste camisas de cores diferentes da nossa.

No fim, tudo acaba se resumindo no tal futebol de resultado, o jogo dos atalhos, o placar a favor a qualquer custo, nem que isso represente a morte do prazer de viver o jogo em sua plenitude.

E, lá no alto, protegidos por uma redoma de vidro, os cartolas sorriem.

 

 

 

 

5 comentários

  1. Com todo respeito que tenho pelo comentarista esportivo. Não vejo ato de heroísmo nem de bravura na Srª presidente, acho que estamos falando de pessoas diferentes. Saul

  2. Maestro,

    É sempre tão bom ler tua coluna, me devolve a sensação de viver em um mundo civilizado. Estou compartilhando para que, quem sabe, alguns amigos mais exaltados encontrem um ponto de reflexão.

    Um grande abraço!

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