Cheirando mal

AFP
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É tão patética a resposta de Dunga para o Tino Marcos quanto o gesto em si – aquela cena grotesca do técnico brasileiro, à beira do gramado apertando o nariz, apontando para o banco da Argentina e falando qualquer coisa inaudível.

Dunga, na tal resposta, traduziu seu gesto como uma referência à poluição do ar em Pequim. Pode? Pode, porque é incrível como o Brasil dá asas à gente mais despreparada para cargos de importância no cenário nacional, em todas as esferas, públicas e privadas, sobretudo, no futebol.

A sensação que dá, ao olharmos para cima, é a de que uma praga invisível e silenciosa dizimou a inteligência neste país, num processo lento, gradual e definitivo. E não poderia ser diferente com a educação pública (e a particular também, com as exceções de praxe) sendo sucateada a cada geração, desde o golpe militar de 64, acelerada, diga-se, já em plena redemocratização do país. É verdade que instrução e inteligência não estão necessariamente interligadas: o sujeito pode ser ignorante, mas, inteligente, assim como uma besta quadrada com diploma na parede.

Mas, esse é um papo longo e um tanto deprimente para uma segunda-feira, véspera de jogo do Brasil.

Jogo, aliás, que se insere nesse contexto, diga-se, pois o Brasil joga com o Japão em Cingapura e quem quiser ver a Seleção Pentacampeã do Mundo, num campo vagabundo, terá de madrugar. Não imagino marketing mais sábio e eficiente do que esse para restaurar a paixão do torcedor brasileiro pelo time que já foi de todos nós.

Ah, mas estamos ganhando o rico mercado asiático, dirá o idiota de plantão. Só se for para o empresário que alugou a nossa Seleção e passou a vendê-la por aí, sem nenhuma estratégia a não ser aquela de encher os próprios bolsos. A Seleção, o torcedor, os jogadores, o Brasileirão, a Copa do Brasil, a Sul-Americana que se danem!

Mas, a culpa não é do cara. A culpa é de quem entregou o bem mais precioso do nosso futebol a ele, em troca de uma grana significativa (menos, obviamente,do que se as negociações fossem diretas da CBF com os interessados em ver nosso time nos seus campos). A culpa é dos Teixeiras, Marins-Del Neros que vêm infelicitando nosso futebol há muitos e muitos anos.

Na verdade, nem deles, pois sua incompetência e cupidez foram alçadas a essa cargo pelos presidentes das federações estaduais, que, por sua vez, sobrevivem à custa dos clubes, mal geridos por cartolas igualmente cúpidos e incapazes. É uma cadeia inquebrantável de burrice crônica que cerca e ata nosso futebol a uma zona sombria, fora do tempo e do espaço.

A propósito, o meu querido e velho amigo Belluzzo, na Mesa Redonda do Flavinho Prado, domingo, na Gazeta, cometeu o mesmo equívoco da maioria dos incautos – o que não faz jus à sua inteligência e a seu vasto conhecimento em tantas áreas do saber – ao culpar a TV Globo como principal responsável pela condução do nosso futebol.

Não é. A não ser na questão dos horários dos jogos de meio de semana, que, por razões estratégicas de programação, estabelece um tempo já fora da curva do interesse maior, tanto do torcedor que vai aos estádios quanto do telespectador, sobretudo as crianças, futuros consumidores do futebol.

A Globo, de fato, morre de medo de assumir o ônus dessa empreitada – dirigir o futebol brasileiro – e o desgaste que sua imagem possa sofrer junto à opinião pública. Quer um exemplo? Não é agora que a Globo gostaria de ver o Brasileirão sendo disputado num sistema de mata-mata. Mas, é tão discreta e cheia de dedos no trato dessa questão que entra ano, sai ano, e a mudança não vinga.

E, por que ela quer a volta desse sistema que já se provou inadequado e espúrio na apuração do melhor time do campeonato? Porque o mata-mata, por suas características de verdadeiras decisões, certamente lhe oferecerá picos de audiência que a disputa por pontos corridos não oferece. E não oferece por quê? Porque, em campo, o nosso espetáculo é pobre, desprovido de encanto e beleza, fruto dessa amaldiçoado futebol de resultados que vem minando nossa mais cara tradição. Essa, na verdade, foi o nosso maior marketing, antes da existência sequer dos marqueteiros: um futebol jogado com arte e malícia que seduziu o planeta de cabo a rabo.

Se praticássemos aqui um futebol desse nível, a Globo atingiria picos de audiência a cada rodada, não apenas naqueles jogos decisivos pingados após tediosas fases de classificação e outros bichos inventados por nossos cartolas.

Como, aliás, costuma ocorrer nos grandes centros futebolísticos da Europa, onde o tal futebol de resultados, mecânico, repetitivo e chato foi substituído por algo bem mais próximo daquele que se via em nossos campos tempos atrás.

Aliás, é curioso como a turma – cartolas, técnicos, jogadores e boa parte da mídia – justifica isso: é que no Brasil, ao contrário dos países europeus, onde apenas dois, três clubes grandes disputam os títulos nacionais, aqui temos, por baixo, doze clubes grandes.

É verdade. A diferença é que os grandes de lá jogam como grandes de verdade. E aqui, nossos grandes jogam como pequenos, mais preocupados em não tomar gol do que em fazê-lo.

Dessa forma, florescem os Felipões, os Dungas, os Zangados e toda essa trupe do circo mambembe em que se transformou o futebol brasileiro.

 

 

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