Tragédias não são coincidências

Fotos: Divulgação
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Não creio em coincidências, diria o detetive Hercule Poirot, cofiando seu bigode encerado ao esmero. Eu também. E não preciso recorrer a todas aquelas células cinzentas do personagem de Agatha Cristhie para identificar o motivo e os autores desse crime lesa futebol que vem ocorrendo em série nestas bandas do planeta.

A decisão da Libertadores entre dois times que jamais haviam chegado lá – San Lorenzo e Nacional do Paraguai – e as absurdas desclassificações da Copa do Brasil  de Flu, São Paulo e Inter, três candidatos ao título brasileiro, da Copa do Brasil por adversários da Série B do Brasileirão não foram mera coincidência de uma noite do galo doido. Nem obra do duende brincalhão como sugeri ontem, ironicamente, claro.

As causas desses patéticos resultados, somados ao vexame da nossa Seleção na Copa y otras cositas más, são perfeitamente identificáveis: os desmandos dos nossos cartolas na condução do futebol brasileiro. E aqui se aponta desde logo o autor do crime.

Começa com a CBF, que em vez ser a gestora do futebol brasileiro, disposta e capaz de reunir federações estaduais e clubes para buscar uma saída honrosa e rentável do buraco negro em que se meteram, limita-se a cuidar apenas da Seleção, fonte principal de suas receitas, que são consideráveis, diga-se de passagem. Mas, que esperar da dupla Marin-Del Nero? É evidente que lhes faltam visão e autoridade para assumir esse nobre e grandioso papel.

Nos principais centros europeus, quando situação similar se apresentou há cerca de vinte/quinze anos, os grandes clubes simplesmente se uniram em ligas, que passaram a reger os campeonatos nacionais com um objetivo claro e comum: dar um choque de qualidade no espetáculo futebol. E a coisa desenvolveu-se de maneira tão profunda que países com fortes traços de racismo, como Alemanha, França, Itália e Inglaterra, abriram seus campos para negros e árabes africanos, além dos sul-americanos em geral. Com isso, o jogo deles ganhou em plasticidade.

Os clubes passaram a manter com mais constância seus treinadores, dando-lhes tempo para armar equipes com vistas ao futuro, mesmo nos períodos mais críticos de estio de títulos e vitórias. O resultado não precisa ser necessariamente aqui e agora.

Fotos: AFP
Com o continente africano tatuado nas costas e muito bom humor, o gabonês Pierre-Emerick Aubameyang, do Borussia Dortmund, é um dos estrangeiros que leva plasticidade ao futebol europeu

No Brasil, essa tentativa foi logo se esvaziando até abortar de vez, pois a nossa liga só pensava naquilo: arrancar o máximo de dinheiro da Globo, sempre que possível adiantado, ao mesmo tempo em que elevavam suas dívidas com fisco, jogadores e técnicos à estratosfera. E, mesmo encalacrados como estão, seguem gastando mais do que podem, sem, contudo, oferecer a contrapartida do espetáculo atraente que lhes permitiria arrecadar mais da tv, das bilheterias dos estádios, dos patrocinadores, da venda de quinquilharias etc.

E o pior: não se desenha no horizonte do nosso futebol uma linha sequer de um cenário renovado para o futuro mais distante.

Não há um movimento nesse sentido. Ao contrário, Quando damos um passo é sempre pra trás, seja em relação ao time nacional, seja quanto aos grandes clubes.

A única voz que se levanta, clamando no deserto, é a do Bom Senso FC, desprezado pela CBF e hostilizado pelos clubes. Menos mal que as autoridades federais dizem estar dispostas a ouvi-la. Se vão colocar suas propostas em prática é outra história, mesmo porque é preciso delimitar muito bem quais são os campos jurídicos em que elas podem realmente atuar.

É que o buraco é mais embaixo, no campo de jogo propriamente dito, onde o único avanço que tivemos nas últimas décadas foi a invenção e aplicação do tal spray  para demarcar a distância das barreiras nas cobranças de pênalti. Pois não é que justamente no momento em que esse expediente foi adotado pelo resto do mundo civilizado do futebol nós paramos de utilizá-lo?

Dá pra acreditar? Nesse passo, passaremos a jogar de tanga, chutando coco nos belos gramados, para uma plateia de aranhas tecendo suas  teias nas luxuosas tribunas  das chamadas arenas da Copa.

3 comentários

  1. Seu Helena, que vergonha estou sentindo do que meu time, o Sampa, fez ontem. Sim, claro, o Bragantino mereceu vencer. É preciso, evidentemente, para com aquela história de que “perdemos porque não jogamos nada”. Ora, não é possível que um time perca porque o outro jogou melhor?! Ah, sim, uma questão de ponto de vista, diria o outro…
    Falando em ponto de vista, valos lá. Segundo os cartolas, a queda dos três “grandes” (hoje, mais nas dívidas e no patrimônio, pois no futebol jogado dentro das 4 linhas, hummm…) foi pontual. Sim, pois possibilitará a participação em uma competição mais fácil (com esse futebolzinho de araque?!) e, em tese, mais rentosa (ahan…), bem como, até o início desta, mais semanas “cheias” (o que se teve durante a parada da copa, e como se viu, de quase nada adiantou).
    Já o outro ponto de vista, dos reais amantes do futebol: três vergonhas (podemos livrar um pouco o Inter, pelo belíssimo trabalho que está sendo desenvolvido pelo Ceará) que certamente mancharão a história dos clubes.
    A cá vamos nós, seu Helena, amantes do futebol… Amantes? Não… Teúdos e manteúdos, em segundo plano, talvez…

  2. Nós torcedores e amantes do bom futebol podemos dar alguns passos, visando mexer com o doce antes que queime de vez. Por exemplo, boicotando (e informando os motivos aos fabricantes) produtos dos anunciantes dos jogos transmitidos pela televisão; é um absurdo a ditadura imposta, e bovinamente aceita pelos clubes e atletas, de jogos iniciando às 22 horas no meio de semana. Outro exemplo, deixando de inundar os cofres dos clubes (em sua maioria levianamente administrados) com dinheiro de compra de camisas e outras “quinquilharias”. Outro exemplo, deixando de babar ovo de jogadores meia boca que faturam fortunas por mês e não dão ao cliente (torcedor) a contrapartida de empenho, aprimoramento físico e técnico, lisura no jogo (sem os teatrais pulinhos com a mão no rosto quando algum adversário encosta) e serenidade nas derrotas, evitando como faz a maioria sempre jogar a culpa no árbitro. E assim por diante. Eu, com 55 anos de idade, ando de saco cheio de tanta incompetência, amadorismo e falta de qualidade no futebol do país.

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