Pode parecer estranho a quem vê apenas as estatísticas do esporte mais caro e global do planeta, a F1. Como um país como o Brasil supera até potências mundiais do automobilismo, com oito títulos mundiais, rivalizando com outros como França, Itália e Alemanha, que tem uma tradição muito maior de indústria automobilística?
Esse sucesso começou a saltar aos olhos do mundo quando Emerson Fittipaldi começou a ganhar as provas de F1 e seus dois títulos mundiais, em 1972 e 1974. E teria o auge nos anos 1980/90, com Nelson Piquet e Ayrton Senna praticando um domínio histórico do Brasil na categoria: seis títulos em 10 anos, entre 1981 e 1991.
Perguntei uma vez ao tricampeão Jackie Stewart confirmou a brincadeira “deve ter alguma coisa na água”. Mas a resposta certa é o aniversariante deste 12 de maio e está completando 80 anos: o autódromo de Interlagos.
Em uma era em que não havia simuladores e os pilotos precisavam chegar a Europa e a F1 preparados, o bicampeão Emerson Fittipaldi aponta que o traçado tecnicamente perfeito de Interlagos fazia com que os brasileiros tivessem uma ótima formação básica. “Quem guiasse bem no autódromo paulistano teria sucesso em qualquer circuito do mundo”, disse Fittipaldi.
Vale lembrar que, de 1940 a 1990, foi neste seletivo traçado de quase 8 km (reduzido a 4,3 km após reforma em 1990) onde a história do automobilismo brasileiro começou a decolar rumo ao sucesso nas pistas do planeta. Mesmo pilotos de outros estados, como Nelson Piquet, brilharam nas categorias de base em Interlagos. E até mesmo outro importante parte do complexo ajudou a formar nossos mais novos talentos: o kartódromo de Interlagos, onde Ayrton Senna fez suas primeiras competições e moldou sua genialidade de piloto já como um dos maiores destaques do mundo no kartismo, antes de iniciar as competições de formula na Europa.
Com o início dos anos 2020, o Brasil não tem representantes no grid, é verdade – são dois os pilotos de testes do País que buscam uma vaga nos próximos anos, com Sergio Sette Camara na Red Bull e Pietro Fittipaldi na Haas. Mas eis que Interlagos cumpre nas últimas décadas outro importante papel: o de manter o Brasil no mapa da F1 – literalmente. Desde 1990, quando o próprio Senna ajudou a reformar a pista as pressas para que o País não perdesse seu GP após problemas com Jacarepaguá, Interlagos nunca mais saiu do calendário e é um dos circuitos que mais recebeu provas da F1, atrás apenas de outros “templos” da velocidade, como Monza, Silverstone e Spa-Francorchamps.
Mesmo não tendo mais aquele incrível traçado técnico de 8km, Interlagos segue proporcionando algumas das melhores corridas do ano. E é uma das favoritas dos pilotos, justamente por sua cara “old school”, com a proximidade do público nas arquibancadas, atmosfera vibrante e corridas sempre com ultrapassagens. Até a chuva costuma ser um ingrediente extra de Interlagos, com aquela “água que vem da represa”, como diz Galvão Bueno, na verdade, se referindo as nuvens que chegam vindas do Oceano Atlantico, que está logo ali atrás dos dois lagos que dão nome ao circuito, a Represa Billings e Guarapiranga.
Para comemorar os 80 anos, um dos destaques foi a inauguração hoje do novo mural desenhado pelo artista Eduardo Kobra em homenagem a Ayrton Senna, destacando sua vitória histórica na prova de 1991, quando guiou apenas com a sexta marcha nas voltas finais.
Nada mais justo do que eternizar um célebre momento do esporte mundial que aconteceu ali no autódromo paulistano e que provavelmente jamais teria acontecido não fosse justamente a vocação daquele sagrado solo de Interlagos de formar os pilotos brasileiros para brilhar pelo mundo.