
A CBF divulgou o primeiro parecer do Conselho Consultivo de Especialistas Internacionais – CCEI, de arbitragem, que se pronunciou, dentre outros lances, sobre o polêmico gol do Grêmio, na rodada inaugural do Brasileirão, no jogo com o Atlético-MG. A meu ver, o parecer não foi acertado e, mais do que isto, não foi técnico. Com efeito, acho que houve risco de lesão para o defensor, dado à proximidade do pé do atacante com seu rosto, especialmente considerando a altura da bola, que estava, senão mais, também para ser disputada com a cabeça. Logo, se a bola estava dividida entre poder ser jogada com a cabeça e com o pé, a preservação da integridade física dos jogadores vem em primeiro lugar, sendo esta faceta o mais importante dos espírito da regra 12.
O erro do Conselho, todavia, não está no sim ou no não do lance, mas de postura filosófica, que deve ir além da simples análise fática das jogadas. Sendo assim, justamente porque o lance foi muito sutil, o Conselho não deveria concluir de modo tão definitivo, apesar de não se poder dizer, com firmeza, que houve erro nessa análise, por não haver elementos claros para o sim ou o não, como já dissemos. É que o Conselho, ao se posicionar de modo definitivo em tal lance, agiu em conflito com sua natureza filosófica, pois o correto seria concluir que a disputa foi de fina interpretação e que a decisão de campo deveria ser respeitada, exatamente por não haver elementos clara e definitivamente conclusivos sobre se houve ou não risco de lesão. Afinal, o respeito à essência das regas do futebol e, portanto, ao poder/dever de interpretação do árbitro não permitem que suas ações e decisões, em lances tão sutis, sejam julgadas de modo definitivo.
Para rematar, achamos muito curioso que um lance tão sutil tenha ensejado opiniões tão iguais e exatas aos três conselheiros, sobretudo porque ex-árbitros de escolas muito diferenciadas! Dessa coincidência nasce a preocupação sobre se o CCEI não teria mais função política do que técnica. De fato, pois se o lance servir de paradigma para instrução dos demais árbitros da CBF, com certeza, teremos conflitos ideológicos e técnicos com as jogadas futuras da espécie. Aguardemos, pois, os lances e dias vindouros. De outro lado, o Conselho pode ter sido omisso se, ainda que internamente, não analisou a forma de atuação do VAR nas duas jogadas que antecederam o gol. Passemos nós a fazê-lo e com base no áudio divulgado pela CBF.
De acordo com o que se pôde ouvir no referido áudio, a atuação da equipe VAR, comandada por Daiane Muniz, embora acertada no final, porque, de fato, não deveria ensejar recomendação de revisão em razão do jogo perigoso, já que não se tratou de “erro claro, óbvio”, teve base técnica claramente equivocada, ao dizer que não houve falta porque não existiu contato físico. É que o contato físico para esse tipo de falta não é essencial, pois se assim fosse se estaria excluindo a possibilidade do risco de lesão para os jogadores, que é a própria essência do jogo perigoso, até porque quando ocorre contato a falta passa a ser punida com tiro livre direto e é deslocada da sua natureza inicial para outro tipo de infração.
Ressalte-se: a essência do jogo perigoso é o puro e simples potencial risco de lesão, sem exigência de contato, reitere-se. Não bastasse, o VAR também não atuou tecnicamente com acerto na análise do impedimento marcado pelo campo. Mais uma vez, embora também tenha acertado na conclusão, pois corrigiu o erro do impedimento marcado pelo campo, Daiane atuou sem técnica ao questionar o assistente sobre se o impedimento marcado teria sido por interferência no no adverário, quando, claramente, não havia posição de impedimento, que é, antes e acima de tudo, o fator prejudicial a ser examinado pelo VAR nesse tipo de infração. Além disso, se posição de impedimento houvesse do atacante que não jogou a bola, dado ao desenho tático e da ação que praticou, não se estaria diante de um erro claro, óbvio, o que inibida a atuação da VAR.
A análise dessas duas facetas técnicas são mais de competência de um Conselho do que o sim ou não dos lances. A um Conselho deve tocar mais o porquê das coisas, do que as coisas simplesmente em si, sob pena de sua função essencial: aconselhar, recomendar, traçar diretrizes etc. cair na insignificância do exato ou inexato. Aguardemos mais pareceres.