O pai do VAR

Foto: CBF/Divulgação

Confira abaixo um texto de Alberto Helder sobre o meu trabalho de introdução do VAR no Brasil.

O pai do VAR
Alberto Helder

Como todo bom pai, zeloso e que se preocupa com seu filho, Manoel Serapião Filho, ex-árbitro de futebol e idealizador do árbitro de vídeo, se mostra orgulhoso da sua criação, mas reconhece que a tecnologia necessita ser melhor utilizada para garantir o seu alto grau de excelência. E a culpa está nos lances de interpretação. “Acho que o futebol perdeu um pouquinho o encanto, a partir do momento em que entraram lances de interpretação. E é esse o grande percalço, exatamente porque você pára o jogo para analisar se o pênalti aconteceu ou não, quando a ideia não era essa. É um lance indiscutivelmente claro, que o árbitro não marcou ou porque cometeu um erro muito grosseiro ou não viu. E o VAR vai lá e atua: marque o pênalti porque o jogador tirou a bola com a mão; desmarque o gol porque o jogador fez o gol com a mão ou desmarque o gol porque o jogador estava claramente impedido; ou desmarque o pênalti porque a falta foi fora da área; ou desmarque o gol porque antes de a bola entrar saiu pela linha de meta. Para situações claras, indiscutíveis e que agilizaria todo o processo”, explica Serapião.

E como está ocorrendo em algumas situações no futebol brasileiro, o VAR tem sido utilizado de forma inadequada para lances que deveriam ser resolvidos pela arbitragem de campo. “O VAR tem trazido o inconveniente de você secionar o jogo. Todo mundo está preocupado com o menos importante: está demorando um minuto e meio (para decidir sobre um lance duvidoso). E se demorasse um minuto seria tolerável? Então a questão não é do tempo e sim da essência. Quando você marca um gol e tem que esperar para saber se o VAR vai confirmar ou não, aí já quebrou a dinâmica do futebol. Tanto faz se sejam 40 como 50 segundos. No sistema atual é melhor que sejam 50 e que a decisão seja correta, do que você precipitar a decisão e errar. Aí que seria imperdoável, porque o erro do árbitro em campo é possível, mas o do árbitro com a tela de televisão é inconcebível”.

“Efetivamente, a utilização do VAR é de grande valia para o futebol, primeiro porque traz ética para o esporte. E é a ética de você não tolerar, não uma falha humana, mas o erro inconcebível. O VAR foi idealizado para lances capitais, como gols, pênaltis, cartões vermelhos e o erro de identificação do jogador que tem um percentual muito baixo. O jogador que pratica um ato de violência, um gol que é mal anulado ou que é validado irregularmente, um pênalti que é ou não marcado. Mas isso dentro de uma linha filosófica não de interpretação, mas de que o pipoqueiro que está fora do campo sabe se foi pênalti ou não, se foi gol ou não, se a ação foi ou não violenta. Então, o resultado tem sido muito positivo, porque os acertos são num percentual elevadíssimo de 97, 98 por cento. Quase não tem mais erro no futebol. Tem erro numa falta ali que pode redundar num gol, mas que não é a razão direta”, completa.

SEM CABINE – No projeto original de Manoel Serapião, o árbitro de campo não precisaria utilizar a cabine de VAR. “O tempo é gasto porque estamos buscando lances de interpretação. É por isso que, em nosso projeto, não tinha o monitor do campo, porque o árbitro não tem de analisar absolutamente nada. Se é para erro claro, o VAR é um árbitro bem formado, está com prova na televisão, essa prova está passando automaticamente para o público em casa, também em um telão no estádio, onde for possível, quando não for, paciência, o público vê depois, e o resultado estaria sendo bem transparente, rápido e eficaz”.

A ida do árbitro até a cabine que fica na margem do campo tem gerado, inclusive, cenas esdrúxulas, provocadas pela falta de educação desportiva de membros da comissão técnica e jogadores. “Além de pressionar, quando o árbitro vai fazer a verificação, existe também um conflito muito grande, porque se eu sou o VAR e digo ao árbitro central: venha na área de revisão porque o pênalti que você marcou não aconteceu. Isso gera um conflito de opiniões, porque o VAR é um árbitro igual ao árbitro central, às vezes até bem mais qualificado e experiente, e o central vai dar a palavra final que pode não ser a melhor solução. Para mim, o VAR teria que dar solução única, definitiva”, afirma Serapião.

(Foto: Divulgação/Cesar Greco)

No jogo Ceará 0x1 Corinthians pelo Campeonato Brasileiro de 2019, após a partida, o técnico do alvinegro cearense Argel Fucks deu entrevista e, ao falar sobre as intervenções do VAR, fez um sinal com os dedos, dando a entender que o árbitro de vídeo só funcionava para equipes que têm mais dinheiro.
Manoel Serapião discorda dessa postura de Argel. “Olha, eu não vi isso, mas se foi feito seguramente o STJD vai tomar uma providência. Acontece que você tem uma prova na tela. Eu sou ouvidor de arbitragem da CBF e já foram feitas 47 reclamações de clubes e eu analiso todas. O índice de erro do VAR é mínimo. Em 20 reclamações sobre pênaltis há um que houve erro”.

VAR EM 2019 – É perfeitamente aceitável que uma ferramenta nova como o árbitro de vídeo ainda apresente problemas para a sua implantação, mas, mesmo assim, o índice de acerto do VAR no Campeonato Brasileiro da Série A de 2019 foi extremamente positivo.

“Começamos com algumas dificuldades, porque é um processo novo, o ser humano precisa treinar a confiança. Uma coisa é você está assistindo ao jogo e dando palpite; a outra coisa é você entrar na cabine do VAR para tomar uma decisão. Tivemos um saldo positivo porque nós diminuímos o tempo de análise, embora para mim isso não seja importante, pois importante é a correção na decisão. E foi positivo, sobretudo, porque o índice de acerto da arbitragem foi para 99%. Então, em pouquíssimos lances houve erro. Por exemplo, se não houvesse o VAR, o Bahia estaria discutindo se seria rebaixado ou não. Mas com as interferências do árbitro de vídeo, mesmo com algumas reclamações, a ética foi trazida com decisões corretas. Para provar isso, os índices de erros na Série B foram de quase 40%, enquanto na Série A de dois, um e meio por cento. Então, a diferença é flagrante, é muito grande”.

Os baianos Diego Pombo Lopez e Marielson Alves Silva se destacaram em jogos da Série A do Brasileirão. Serapião faz uma análise do desempenho dos dois árbitros na competição nacional de 2019: “São dois grandes árbitros, o Marielson esteve na bica de ir para a Fifa, mas infelizmente teve um jogo em que ele não foi bafejado pela sorte, porém ele recomeçou, já está em grande forma. Volto a dizer que são dois grandes árbitros e com certeza um deles vai resgatar esse escudo da Fifa”.

O desenho imaginário com as mãos de uma tela de tevê tornou-se mais um dos elementos que compõem o futebol. O VAR (árbitro de vídeo) chegou para ficar e, se já estivesse em uso desde o Século 20, a história de alguns títulos mundiais, internacionais e nacionais poderia ser bem diferente.
Manoel Serapião cita alguns exemplos de erros históricos que certamente seriam corrigidos com a utilização da tecnologia do VAR. “São os erros indiscutíveis, como o gol de mão de Maradona (contra a Inglaterra, na Copa de 1986, no México), o gol da Inglaterra contra a Alemanha na final do Mundial de 1966, e outros lances de violência que, se o árbitro central não constatar, o VAR atua e corrige”, enumera.

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