As diretrizes de arbitragem para um torneio de curta duração, ainda que corretas, nem sempre se ajustam para as competições de longo prazo.
Diretrizes da Copa do Catar – Embora o ideal fosse que as diretrizes de arbitragem emanadas da FIFA para seus torneios, especialmente as Copas do Mundo, servissem de base para as competições realizadas em todo o planeta, na verdade, lamentavelmente, isto não ocorre e por várias razões:
Primeiramente, o que é muito grave, foi o fato de a Comissão de Arbitragem da FIFA adotar algumas diretrizes que não se harmonizam com as regras do jogo e com a essência do futebol, como veremos. Não bastasse, também é fato que algumas das orientações introduzidas não foram testadas em competições precedentes, de modo que, foram dados verdadeiros tiros no escuro, tanto que exigiram mudança das rotas originalmente traçadas! Isso sendo feito na mesma competição é tragédia precedentemente anunciada.
Outro ponto é que, apesar da importância das competições realizadas pela FIFA, os curtos períodos em que elas são realizadas colidem de frente com a longevidade das competições organizadas pelas Associações Membros, pois tal circunstância – curta duração – não possibilita que se conclua se são benéficas ou não para o futebol como um todo.
Para demonstrá-lo, analisaremos alguns pontos que foram objeto de destaque na Copa do Catar:
Acréscimos – A diretriz da FIFA de acrescentar ao final de cada período do jogo os tempos das paralisações de modo muito circunstanciado, nos parece sem qualquer sentido e, portanto,
sem possibilidade de os acréscimos serem justos e, assim, de poderem ser norma comum nas demais competições mundo afora.
Com efeito, de acordo com o estabelecido na regra 07 – Duração do Jogo – os pequenos períodos usados para recolocação da bola em jogo, como cobranças de faltas, tiros de meta, arremessos laterais, pênaltis etc., são próprios do esporte, intrínsecos mesmo de sua filosofia e essência. Tanto é assim que a indicada regra enumera os motivos específicos para os acréscimos e menciona que os reinícios normais do jogo só causam impacto e, portanto, que só devem ser considerados quando forem significativos.
Desse modo, se as Associações Nacionais agirem como a FIFA, sobretudo como o fez na fase classificatória da Copa, conquanto mesmo em sua fase final tenha havido acréscimos ora exagerados ora econômicos, as competições das referidas entidades nacionais serão uma verdadeira babel e fonte de contradição, ensejando protestos e mais protestos.
Por isso entendemos que a filosofia adotada pela FIFA vai na contramão da essência da arbitragem, pois os árbitros se acomodarão e permitirão que os jogadores façam “cera”, simplesmente porque acrescentarão os tempos perdidos ao final dos períodos. Isso será a morte da autoridade do árbitro e do seu dever de controlar do jogo, até por ser certo que o fato puro e simples de acrescer não repara os danos no desenvolvimento da partida, tampouco recompõe o ânimo dos jogadores, ao lado de causarem prejuízo no planejamento da duração dos jogos e em questões econômicas relativamente aos patrocínios, que poderão ter custos mais elevados, além de prejudicar as programações das empresas de transmissão.
O cumprimento da regra com bom sendo, assim, é que deve ser o grande norte das arbitragens.
Acresça-se que o dever de os árbitros contarem os efetivos tempos perdidos de modo rigoroso, como é do espirito da regra, dará lugar a contagens aleatórias, que variarão de árbitro para árbitro e ensejarão protestos e mais protestos, seja, para uma equipe, por acréscimo exagerado, e para a outra, por tempo reduzido.
O Sr. Wilson Seneme, atual presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, noticiou que o sistema de acréscimos usado na Copa do Catar serviria de base para os Campeonatos Brasileiros. Esperamos que ele e os integrantes da Comissão analisem os pontos acima, de modo a não prejudicar o grande sonho de toda competição, que é ter uniformidade de critérios.
O anúncio de Seneme, antes da prudente análise, já pode estar fazendo estragos, pois a palavra do mandatário da arbitragem da CBF é seguida pelas entidades regionais.
VAR – Ao lado de já ser impossível o estabelecimento de um critério que seja perfeitamente compreendido pelo mundo do futebol em relação aos limites de atuação do VAR, pois a análise de lances de interpretação sempre gerou, gera e gerará controvérsia, uma vez que lances muito semelhantes ora são e ora não são revisados, a postura autoritária, antiética, de não transparente da FIFA e da própria CBF em não divulgar os áudios e vídeos do VAR em tempo real é algo incompreensível e inaceitável para quem tem sede de correção.
Desse modo, insistimos que esse passo seja dado para lisura de nossas competições, pois do contrário a propalada nova diretriz da CBF desaguará no descrédito.
Nossa esperança de que haja afastamento de tão injustificável postura, graças a Deus, foi fortalecida pela notícia de que a Internacional Board (IFAB), realizará experimento para divulgar os áudios e vídeos do VAR em tempo real. Oxalá!
Não é demais lembrar que, antecipando a futura prática, fizemos divulgação nos telões da Arena Corinthians e do Maracanã em 2019 e 2020 dos vídeos de alguns lances.
Mão – Ao lado de a regra que vem sendo seguida já haver sido revogada (mão acima do ombro, braço de apoio etc.), o que revela um descompromisso da arbitragem com a regra, a FIFA deu um péssimo exemplo de como o tema deve ser tratado, porquanto houve erros graves em lance de mão claramente deliberada que não foi objeto de revisão e outros de clara interpretação que foram revistos.
Espera-se que a CBF e as entidades regionais, cujos campeonatos até já se iniciaram, adotem o texto da regra vigente como lema – compatibilidade da posição do braço com o movimento feito pelo jogador – esquecendo-se, assim, da regra revogada, que pretendia transformar o futebol em matemática e que, por isso mesmo, foi revogada.
Se é verdade que o tema mão, porque de elevada complexidade, naturalmente gerará controvérsia, pior ainda é será se não houver uma diretriz coerente com a regra vigente e com a essência do futebol. Logo, havendo diretriz clara, com vídeos exemplificativos e divulgados para todos os desportistas, o tema será compreendido e haverá menos controvérsia, mesmo nos lances de fina interpretação.
Substituição por concussão – Para não dizer que não falamos de flores, nos referimos ao ponto positivo das substituições por concussão, ou seja, por lesão cerebral, que podem ser feitas além do limite das 05 (cinco) normais estabelecidas pela regra, o que é um avanço, sobretudo porque visa à preservação da integridade física e mental dos jogadores.
Neste ponto, não é demais lembrar que o Dr. Jorge Pagura, médico da CBF, foi um dos grandes guerreiros desta conquista, para a qual eu, Manoel Serapião, e Sérgio Correa, contribuímos com os aspectos técnicos, assessorando o Dr. Jorge Pagura.
Concluímos, assim, que a maioria das diretrizes da FIFA para a Copa do Catar foram equivocadas e que o legado para a arbitragem foi negativo.
Dirigentes de arbitragem – Diante do quadro desanimador, nos permitimos questionar se os melhores árbitros, como foram Pierluigi Colina e Massimo Busacca, seriam, se não têm noção de gestão de pessoas e de princípios de administração, as pessoas indicadas para comandar o setor da arbitragem.
Quem sabe se a FIFA, em que pese a aparência de entidade organizada, não estaria falhando na real essência de sua finalidade.
Em razão de tudo quanto posto, a CBF e às federações regionais devem alcançar a sabedoria para contrabalançar, além de muitos outros, os temas que ora abordamos, de modo a aproveitarem os aspectos positivos e rejeitarem os negativos, principalmente os que não se harmonizam com as regras do jogo, não revelam ética e não são transparentes.
Ao leitor, a palavra final.