
Flamengo X Santos – Rodada 34ª – 25/10/2022
O futebol brasileiro, na noite de ontem, amargou mais um erro de arbitragem. O erro, porém, foi apenas do árbitro de campo e do VAR, jamais de sua Comissão de Arbitragem. Assim pensa de modo draconiano a CBF.
André Castro, que estava bem colocado e com a visão descortinada não viu o pênalti a favor do Santos no final da primeira etapa, que, para sua infelicidade, culminou, na jogada imediatamente seguinte, no primeiro gol do Flamengo.
De seu turno, a equipe VAR, comandada por Adriano Milczvski, errou ao não recomendar a revisão, pois o penal se caracterizou. Adriano, talvez, tenha se concentrado apenas no pé do defensor e deixado de observar a imagem por inteiro, como a sistemática do VAR recomenda.
Note-se que o defensor do Flamengo, conquanto não tenha pretendido fazer a falta e de seu pé não haver tocado no adversário (ficou preso na grama), provocou o contato com a parte de sua perna próxima do joelho. De outro lado, quando assim não fosse, é certo ainda que a perna do defensor também ficou no trajeto do adversário e impediu seu deslocamento. Esta ação caracteriza o denominado calço, que é faltoso mesmo quando não há contato. A regra fala em calçar ou tentar calçar um adversário. O futebol mundial e a essência da arbitragem estão repletos de lances iguais a estes sendo punidos, pois, afinal, o atacante perdeu o domínio da bola por conta de ação de seu adversário, sobretudo porque este não jogou a bola e, assim, causou dano tático ao oponente.
É oportuno lembrar que, se o VAR recomendasse revisão do lance e se houvesse marcação do tiro penal a favor do Santos, o gol do Flamengo seria anulado, implicando, provavelmente, na inversão do placar do primeiro tempo.
O mencionado erro, não obstante, aparenta que não resvala na Comissão, pois a responsabilidade está sendo atribuídas exclusivamente aos indicados profissionais, cujo preço foi muito alto: exposição pública de nomes e suspensões por tempo indeterminado, para receberem treinamento de acordo com um programa que sempre existiu, mas que teve seu nome trocado na era de Wilson Seneme, como se chamar cobra de serpente fizesse a diferença. O pior de tudo é que a estrutura do programa anterior contava com profissional da área psicológica, o que hoje não ocorre, mas que julgamos indispensável.
A propósito, quando atuávamos como Ouvidor de Arbitragem da CBF, cujo órgão tinha independência técnica, recomendávamos treinamentos específicos para os árbitros, atacando as razões técnicas dos erros cometidos.
Registre-se que nos referidos pareceres da Ouvidoria de Arbitragem, quando os clubes pediam punição para os árbitros, que nossa resposta era sempre a mesma: “Se não houve prática de ato ilícito, não há razão para punição”.
O próprio portal da CBF está prenhe desses pareceres, que ficaram raros ultimamente, como se a independência técnica da Ouvidoria de Arbitragem tivesse sido sufocada pela nova administração da entidade, dando azo a se imaginar que a Comissão é quem tudo define e a ninguém ouve!
Hoje, todavia, em que pese, como referido, o anterior “Programa de Aperfeiçoamento Contínuo da Arbitragem Brasileira” ser precedente à investidura de Seneme, mas que teve o nome mudado para “PADA – Programa de Assistência ao Desempenho do Árbitro”, como se fosse inovação, não se tem notícia de que medidas ou treinamentos específicos teriam sido recomendados, executados e que resultados teriam sido produzidos.
O erro de ontem, apesar de ter sido igual, senão menos claro do que muitos outros ocorridos na atual temporada e depois da fase das punições, voltou a provocar suspensão dos árbitros, como se suas exposições pessoais e familiares, que empurram a autoestima para o fundo do poço, correspondesse à solução milagrosa e, pior ainda, passando a ideia de que quem comanda; quem treina, quem designa, quem orienta não tem qualquer responsabilidade com o resultado de suas atividades. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Essa estratégia da Comissão de Arbitragem da CBF, de suspender e expor os árbitros, como já dissemos desde as iniciais suspensões, não produziu nem produz qualquer efeito positivo no grupo, mas só negativo, sobretudo nos árbitros punidos. Por igual, o prejuízo do Santos e das demais equipes que sofreram com erros de arbitragem não foi nem será ressarcido.
Por isso, a divulgação de suspensão, ao lado de nada contribuir para a evolução da arbitragem, assusta todo o grupo, o expõe publicamente, agrava seu estado de tensão e, por consequência, provoca mais erros. É o tiro saindo pela culatra!
Em nossa coluna de 29/07/2022, cujo título foi “A arbitragem brasileira está assustada”, o assunto foi tratado com mais detalhe. Em nossa escrita de ontem – 25/10/2022 – abordamos o assunto e até parabenizamos a Comissão por abandonar o infrutífero sistema, que muito se aproxima da “Santa Inquisição”. Mas que nada, o sistema voltou e voltou com força. Ambas as colunas estão em “Blogs da Gazeta Esportiva – Arbitragem”.
O pior de tudo, aliás o mais grave e imperdoável de tudo, é que as suspenções, sem necessidade de mencionar os erros e respectivos responsáveis, inclusive de observadores do VAR, terminam por apontar para uma intolerável discriminação, pois elas são abominavelmente seletivas: aplicável apenas a alguns árbitros; em razão de alguns fatos; em decorrência do “barulho” feito etc. etc., o que agrava o desastre, sem nos esquecermos da dosagem das punições: uns por pouco, outros por mais tempo e outros definitivamente.
O resultado inafastável dessas punições, assim, é que não se trata de medida, ainda que inadequada, com propósito de melhorar a arbitragem, mas de estratégia política e nada técnica, usando os árbitros como válvula de escape.
Não bastasse, a situação ainda se agrava porque não se tem notícia de qualquer treinamento para os punidos e dos resultados alcançados.
Por isso, talvez, é que na história da arbitragem brasileira nunca tenha havido tantos erros como os que vêm acontecendo nesta temporada.
Uma coisa, não obstante, é certa, ou seja, que as punições de árbitros revelam a filosofia do atual comando da arbitragem brasileira: “se eu puno os árbitros; se dou satisfação aos clubes prejudicados, que se contentam com sangue em vez de solução; etc. etc., me mantenho no cargo e com apoio da direção da Casa, cuja visão é igualmente desvirtuada. Ademais e principalmente porque não a Comissão não precisa mostrar a devida competência, a esperada eficácia, pois a cortina de fumaça das punições a protege.
A solução para evitar erros de arbitragem, porém, não nasce de medidas ou posturas que tais, somente se alcança com trabalho, com muito e competente trabalho, sobretudo dando aos árbitros o devido apoio, tranquilizando-os e, por igual e principalmente, lhes prestando a indispensável orientação técnica, coisa que não se revelou, sequer por indício, até o momento, uma vez que a diversidade de critérios das arbitragens desta temporada não aponta para um rumo bem definido, ainda que não seja o ideal. O VAR, por exemplo, não sabe o que fazer: ora é simplesmente para corrigir erros; ora é para reparar erros claros, óbvios; ora é para dar ao árbitro uma segunda oportunidade (ferindo a regra); ora é pelo não intervencionismo; ora… ora… ora…!
A só esquiva da Comissão em se posicionar, ou seja, em não dizer se houve erro ou acerto das decisões dos lances controvertidos, é prova da sua inconsistência técnica. Por isso é que a Comissão apenas publica os áudios e vídeos dos lances, as regras do jogo e o protocolo do VAR, todos de modo geral e sempre os mesmos, sem, pois, ao menos, indicar a norma ou diretriz incidente para cada lance.
Mas tudo aparenta estar certo e que não precisamos de uma gestão transparente, justa e, sobretudo ética, que trate a todos igualmente, árbitros e clubes, e que seja corajosa para enfrentar os desafios da árdua função. Afinal,
“ao contrário do lema prevalecente no mundo, na arbitragem brasileira quem perde a guerra é sempre o soldado, nunca o general, ainda que a estratégia adotada tenha sido errada. O soldado foi quem não compreendeu o estratagema do general e, por isso, mereceu morrer!”
Ao leitor, a palavra final.