Estude, menino, e jogue os clichês no lixo

Foto: CBF

Outro dia, vi a chamada do programa Bola da Vez, na Espn, com Jair Ventura. Nela, o jovem treinador reduzia as grandes conquistas do futebol brasileiro, o bi de 58/62, à individualidade de jogadores como Garrincha e Pelé para exaltar a necessidade de estudos hoje em dia, expressão que permeia nossos meios de comunicação como se fosse o início de uma nova era.

Concordo plenamente com o jovem treinador: é preciso estudar, sempre, sem parar; quanto maior o conhecimento, mais dúvidas são geradas, transformando o estudo numa estrada sem fim.

Então, proponho que Jair Ventura comece estudando a história do futebol, pois, nesse caminho,  aprenderá a distinguir o que é eterno do que é novidade.

Por exemplo: reduzir o bicampeonato mundial do Brasil exclusivamente ao talento individual de gênios como Garrincha e Pelé é prova da mais absoluta ignorância. Levaria zero nos estudos de hoje em dia e de qualquer época.

O Brasil de 58, Jair Ventura e uma infinidade de jovens e velhos treinadores brasileiros, foi, antes de mais nada, traçado no papel, num estudo detalhado sobre nosso futebol por um trio de jornalistas eméritos brasileiros, a pedido de Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação brasileira à Suécia e Chile: Paulo Planet Buarque, Ari Silva e Flávio Iazzetti.

Com base nas campanhas brasileiras em 50, 54 e na excursão à Europa em 56, os três elaboraram o Plano Paulo Machado de Carvalho para a Copa da Suécia. Esse plano entrava em detalhes sobre os critérios na convocação, no estabelecimento das regras de convivência em grupo e, sobretudo, na formação de uma comissão técnica até então inusitada, em que, além do treinador e do médico, haveria um preparador físico (Paulo Amaral, o primeiro na história), um dentista, um psicólogo e dois massagistas.

Garrincha e Pelé, assim como Zito, só entraram no terceiro jogo do Brasil na Copa, contra a União Soviética. Garrincha, porque Feola e o senso comum diziam ser individualista e aéreo demais para disputar um Mundial; Pelé, porque vinha de séria lesão.

Foto: acervo/Gazeta Press

Quer dizer: não foi nada aleatório, fruto da individualidade dos nossos jogadores. Foi pensado, estudado, e executado com eficiência pelo técnico Vicente Feola, durante décadas, um dos poucos treinadores brasileiros com diploma de Educação Física e de técnico de futebol, ao contrário do que certa imprensa brasileira, à época, sugeria ser um sujeito gordo e paciente que passava o jogo todo dormitando no banco.

Tanto, que, depois da Copa, foi contratado pelo Milan e depois pelo Boca.

Ah, sim, no plano tático, aquele Brasil instituiu um novo tipo de formação: com o recuo constante do ponta-esquerda Zagallo para ajudar Nilton Santos na marcação, estabeleceu-se o 4-4-2, não o 4-3-3 como o próprio Zagallo passou a vida a anunciar, posto que Pelé (antes dele, Dida) era um meia ofensivo que começava as jogadas a partir do meio de campo, ao lado de Didi, o armador por excelência.

Estudar é bom, meu caro Ventura. Então, estude! E jogue no lixo os chavões e clichês que ouviu durante sua curta vida.

NA LINHA DO GOL

Lastimo que nosso último encontro tenha sido diante de um juiz, em ação promovida por ele, em razão de algumas expressões inadequadas que usei numa entrevista descontraída dada ao amigo Menon, da UOL, cujo teor era absolutamente verdadeiro. Lastimo porque convivemos durante muitos anos intimamente. Desde quando o chefiei na seção de Esportes do JT.  Repórter aplicado, de memória apurada, faltava-lhe estilo no texto, que o saudoso Moacyr Japiassu, então copy, tratou de esmerilhar-lhe com devoção. 

Ao assumir a coluna Bola de Papel, briguei para que  Avallone fosse meu sucessor na chefia de reportagem, E, depois, quando me mudei para a Placar, batalhei pra que fosse meu substituto no JT. A cada nova missão, levava-o comigo, à Bandeirantes, à Record, onde insisti pra que fizesse comentários na tv, no programa Show da Noite. dirigido e apresentado por este cronista, embora ele relutasse alegando uma certa gagueira. Aceitou e deu certo. E, assim, vida que segue culminou no seu maior sucesso como apresentador do Mesa Redonda na Gazeta.

Hoje, só me resta enviar meus pesares aos seus filhos e que ele tenha a paz tão desejada.

 

9 comentários

  1. Boa noite!

    Belo texto! Concordo plenamente um jogador não ganha uma competição sozinho como também não perde, quando ganha todos ganham, afinal de contas são uma equipe e um precisa do outro. Lembro também que quando vejo um atleta comentando a conquista de um título, via regra sempre enaltecem o grupo, como: um por todos por um, que a camaradagem e o bom convívio do grupo os levou ao sucesso. Boa ideia vamos vamos estudar mais, faz bem pra todos.

  2. Belo comentário o seu, Alberto.
    Como o grande jornalista que é, não esperava menos.
    Que o Avallone descanse em paz, fruto de seus aprendizados, grande mestre.
    Grande abraço e saudações.

  3. Nobre, Helena Júnior, permita-me enviar meus sentimentos, aos familiares, do Nobre, Havallone. Este é mais um de seus brilhantes textos. Parabéns ! Estudar é essencial, e para exercer esse ofício de treinador, deve-se recorrer as lições, deixadas pelos grandes professores , do passado, Brandão, Tele Santana, o do carrossel holandes, e da atualidade, Josep Guardiola, Mas o que vejo por aqui, é que poucos tem estudado, e se o fazem, seus Q. Is , não permite que compreendam, nada. Com exceção de Fernando Diniz, Sampaoli, Renato Gaucho e Abel Braga, que merecem o diploma : ” Salvador do Futebol “. Por serem, o fio de esperança, que nos resta !

  4. O s escravos milionários. Para lá dos esportes que praticam, das fábulas que ganham, do quão ídolos são, os nossos atletas de ponta não passam hoje de escravos da Rede Globo. Sem exceções. Até Gabriel Medina novo ícone mundial do surf não escapa das garras da emissora. O rapaz é obrigado muito provável por contrato a desfilar pelos programas manjadíssimo e de péssimo mau gosto da emissora. Hoje tava lá Medina ídolo mundial do surf respondendo as abobrinhas de Ana Maria Braga e do Louro José. Tudo em nome da audiência.

  5. A linda foto colorida era coisa rara na época.Me remeteu a 29 de Junho de 1958,um Domingo de inverno com muito sol e céu azul como nunca mais vi na vida.A quantidade de balões era imensurável.Sim,na época era permitido.Eu estava a caminho de completa dez anos e não tinha ideia de que seríamos campeões mundiais de basquete no ano seguinte e que em 1963 cantaríamos nas ruas “com o pé e com a mão o Brasil é Bicampeão”.A foto acima não mostra somente uma das melhores equipes de futebol de todos os tempos,mas para a minha e várias gerações de brasileiros,mostra cidadãos brasileiros de calções e chuteiras em busca de algo perdido ou algo a conquistar.E eles conquistaram.E como conquistaram!Para comentar algo sobre estes homens,é preciso antes de mais nada ser homem crescido e estar ciente de que à partir deles,o mundo começou a saber que nós existíamos.

  6. As revelações de jogadores de futebol no Brasil são para inglês ver. São pedras defeituosas, rejeitos de uma mina esgotada. Antigamente tinha tanto craque no futebol brasileiro que falar em joia era uma comoção no país inteiro. Todos queriam ver o novo candidato a rei e maioria mesmo não sendo de altíssimo quilate não costumava decepcionar. Hoje, basta ir à internet e o que mais se lê, são jóias que brotam de todos os lados. a toda hora. Jóias do Corinthians, do Fluminense, do Santos, do Flamengo e vai por ai afora. Quando é levada ao ourives para avaliação do seu potencial, não passam de malacacheta sem valor, ouro de trouxa, moeda de troca.

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