
Alguém aí já se tocou por acaso de que neste ano celebra-se o Centenário do Samba, a expressão cultural mais tipicamente brasileira desde o desembarque de Cabral em terras tupiniquins?
Eu disse celebra-se? Pois, sim. Por aqui, celebra-se mais a morte por overdose de um roqueiro de voz esganiçada do que a sobrevivência da mais brasileira obra de arte que agoniza, mas não morre, como cantava o velho samba. Sobrevive ainda nas inspiração de um Paulinho da Viola, de um Zeca Pagodinho, de um Dudu Nobre, deste ou daquele grupo de pagode, e, sim, no fausto dos desfiles das Escolas de Samba no Carnaval, que é pra inglês ver.
Mas, o fato é que se toma como ponto de partida o primeiro disco gravado com o título de samba impresso no selo – Pelo Telefone, de Donga, em 1916. Na verdade, mais maxixe ainda do que samba, tampouco, só de Donga, pois trata-se de um mosaico de versos nascidos de um grupo de chorões e sambistas reunidos nos quintais das casas das Tias Baianas, que fugiram da seca do final do século 19 para se estabelecer na Cida Nova, no Rio, onde promoviam saraus musicais em suas casas com gente como Pixinguinha, Mestre Hilário, Donga, João da Baiana, o jornalista Mauro Peru do Pé Frio, Heitor dos Prazeres, Sinhô, essa leva de pioneiros – Tia Balbina, Tia Ciata e outras quituteiras que estendiam suas bancadas de acarajés, abarás e demais comidinhas do Bonfim.
O samba e o futebol brasileiro, pode-se dizer, nasceram juntos e entrelaçados, pois justamente nesse mesmo ano de 1916 a Seleção Brasileira faria seu primeiro jogo oficial num torneio continental, o Sul-Americano Extra, em terras estranhas – a Argentina, claro, quando Arthur Friedenreich, mulato de olhos verdes, filho de um comerciante alemão e uma doméstica negra, começou a construir o primeiro mito de nossa história.

Mas, o samba e o futebol brasileiro iriam se introduzir definitivamente no imaginário europeu quando das excursões à França, na década seguinte, do Paulistano de Fried e dos Oito Batutas de Pixinguinha, Donga, João da Baiana e China, grupo de chorões que se juntou nos aplausos ao casal de bailarino Duque e Gabi, um sucesso nos palcos parisienses dançando o lascivo e estonteante maxixe.
A partir daí, o samba e o futebol jogado como se fosse uma coreografia do ritmo envolvente, cheio de malícia e pequenas invenções, liso ou sincopado, coletivo como uma roda de samba ou em solos individuais, mas sempre numa linha harmônica sugestiva, passaram a ser os maiores embaixadores do Brasil no mundo.
Resumindo: eram a nossa cara. Essa cara que foi perdendo seus contornos, sua identidade a partir dos meados dos anos 80, quando o samba foi engolido de vez pelo rock e o futebol pelo pragmatismo do rei resultado.
Hoje, milhões de jovens brasileiros provavelmente sequer ouviram um samba na vida, enquanto outros tantos se encantam muito mais por um Barça ou um Bayern, cuja torcida, por sinal, nos seus momentos de euforia, canta um samba (quadrado, é verdade), Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, do que pelos times de seus pais e avós.
Certamente, não é mera coincidência.
Prezado Alberto,
Como sempre o senhor tem uma visão muito a frente dos nossos jornalistas. Espero que os bons tempos no futebol e no samba retornem ao nosso querido Brasil.
Forte abraço.
Marcelo.