Outro dia, reencontrei-me com Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta. Não, meu amigo, não estou caminhando pelo Valhalla dos jornalistas perdidos, ainda. O reencontro se deu na prateleira de uma livraria que exibia a mais recente edição do seu antológico FEBEAPÁ – o Festival de Besteira que Assola o País -, coletânea de crônicas e notas do extraordinário jornalista dos anos 60.
Pra quem não sabe, Sérgio Porto adotou o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta por inspiração do personagem de Oswald de Andrade, um dos pilares do modernismo das artes e literatura brasileiras, Serafim Ponte Grande. Trocou o Serafim por Stanislaw e a Ponte Grande por Ponte Preta, em homenagem à Macaca que havia acabado de ascender à Primeira Divisão do campeonato paulista, naquele raiar dos anos 50. Vale lembrar que Sérgio foi também comentarista esportivo, compositor bissexto e crítico musical.
Conheci o Sérgio em 1961, quando arquitetava, ao lado de Raúl Tarek Fajuri, um show de música de raiz, como se dizia na época, para o Centro Acadêmico Horácio Lane, da Engenharia do Mackenzie, à época, sob o comando da chamada Esquerda Católica. Era uma contraposição ao Show da Balança do Direito do Mackenzie, cujo centro acadêmico era claramente direitista.
O Show da Balança era basicamente de Bossa-Nova, termo, aliás, que o próprio Sérgio Porto inventou, em outro contexto. Ou melhor: colheu de um engraxate que batucava com a escova e o pano em seu sapato de forma diferente da habitual. A questão é que a Bossa-Nova era claramente influenciada pela música americana, o que até valeu um hit da época – Influência do Jazz – do Carlinhos Lira, que, por sinal, em seguida debandaria do movimento em busca das nossas raízes musicais
E o nosso, o Cancioneiro do Brasil, deveria ser um resgate de nossas origens musicais, ferramenta adicional ao processo político que estava em pleno curso, antes de os militares meterem a bota em nossa bocas.
Meu Deus! Imagine essa discussão nos dias de hoje, quando o rock engoliu a todos, esse pastiche em que não se distingue mais direita, centro e esquerda, É só meu pirão primeiro. Ao vencedor, a Cidade do Rock, capital cultural do Brasil.
Mas, voltando ao Sérgio Porto, fomos, eu e o Raul, parar no seu apartamento, no Leblon, creio, para convidá-lo a apresentar nosso show no Teatro Rui Barbosa, no Mackenzie.
Fiquei pasmo diante do que via. Numa escrivaninha longa, ao lado de estantes cheias de livros e de discos, soterrado por jornais de todos os cantos do país, que a empregada adicionava de tempos em tempos, com novos magotes, Sérgio alternava seu trabalho entre três máquinas de escrever: uma, destinada às colunas que escrevia para os jornais; outra, para os esquetes radiofônicos; a terceira, para roteiros de tv.
O bicho era um assombro! isso tudo, ao mesmo tempo, alternadamente, claro. Ora, escrevia numa máquina, ora, noutra. E ainda levava o papo com a gente.
Bem, não vou contar como o show se desenrolou aqui em São Paulo, pois vale uma crônica à parte, talvez em outro campo, não este tão esportivo. Só posso dizer que foi a primeira apresentação ao vivo de Mestre Cartola e que inspirou Vinícius de Moraes a compor com o meu querido e saudoso Baden Powell o Samba da Bênção, que deu uma guinada à esquerda à Bossa Nova e inaugurou a MPM.
Aliás, essa conversa fiada só nasceu de um tópico do FEBEAPÁ que interessa mesmo a este pedaço futebolístico. É quando, no introito do livro, Sérgio reconta a seguinte nota:
“Em Bauru, o delegado de polícia oficiava ao presidente da liga de futebol de lá que não enviaria mais policiamento para os jogos porque os campos não oferecem segurança para a polícia.”
Como se vê, não é de hoje que a besteira assola este país tão grande amado.
Texto fluido, gostoso de ler… admiro seu trabalho e agora mais admirador ainda por saber de sua “mackenzisse” antiga!!
Obigado pelas lantejoulas.
Esclarecendo: eu era contratado pelo centro acadêmico para editar os jornaizinhos deles: O Picareta e a Folha Mackenzista. Meu irmão mais velho, o Cyro, é que estudava Engenharia lá, assim como o Raul Tarek, cuja mãe era dona da revista Etapas, onde comecei escrevendo crônicas e críticas musicais, além de revisar os textos em português, já que a revista era bilíngue (a outra metade, era em árabe)
Abraços
Helena, figuei muito feliz com a referência a Sérgio Porto, talvez, o escritor mais atual neste verdadeiro festival de besteiras que vivemos agora!
Cara! Lembrei-me da Tia Zulmira, do Primo Altamirando e tantos outros parentes e amigos do Stanislaw! Saudades!!!