A interpretação da interpretação

Djalma Vassão/Gazeta Press
Djalma Vassão/Gazeta Press
Essa coisa toda me parece uma daquelas histórias de suspense em que o personagem central simplesmente não aparece da primeira à última página, caminhando por um campo cinzento, um universo paralelo, deixando em seu rastro a sombra da dúvida sobre sua própria existência.

Refiro-me a essa história sobre a mudança da Regra 12, ou de novas orientações a respeito do que chamamos comumente de toque, ou bola na mão, hands, para os ingleses que inventaram esse negócio intitulado futebol e as simples e claras dezessete leis que o regem.

Dizem que uma nova orientação da International Board, entidade ligada à Fifa, mas autônoma, segundo a qual, duas novas interpretações teriam sido sugeridas aos árbitros.

A primeira delas falaria em movimento antinatural dos braços, antebraços ou mão do jogador. Neste caso, mesmo não havendo intencionalidade do jogador tocar a bola com a mão, braço ou antebraço, o juiz deveria marcar falta.

A outra seria a de que, dependendo da distância entre o chute ou cabeceio de um jogador e o adversário, o juiz marcaria ou não falta. Isto é: se a distância fosse curta demais, caberia ao árbitro seguir a jogada normalmente.

Bem, passei a manhã toda à caça dessas novas interpretações ou recomendações, como queiram, e juro por Deus que não as achei nem no site da CBF, nem da Fifa ou da IB.

Nem nas orientações da Escola Nacional de Árbitros expressas em comunicado do início deste ano e revalidado em julho.

Escrito mesmo, com todas as letras, só há o que diz o livrinho de regras, com as devidas interpretações da Fifa para o biênio 2013/2014, que aqui reproduzo no íntegra:

Tocar a bola com a mão

 

Tocar a bola com a mão implica a ação deliberada de um jogador fazer conta to na bola com as mãos ou os braços.

 

 O árbitro deverá considerar as

seguintes circunstâncias:

 

1)   O movimento da mão em direção à bola (e não da bola em direção à mão).

 

2)   A distância entre o adversário e a bola (bola que chega de forma ines

perada).

 

3)   A posição da mão não pressupõe necessariamente uma infração.

E ponto final a respeito desse tema.

Ora, é óbvio que o legislador, ao idealizar tal regra, está claramente enfatizando que só há infração quando há deliberação, intencionalidade, desejo, vontade ou qualquer outro sinônimo que o amigo queira, de tocar a bola com a mão ou o braço.

Esse é o espírito, o significado básico da lei. Entre outras coisas para evitar a malandragem de um atacante entrar na área, e, cercado por vários defensores ou apenas um, chutar a bola de propósito em seu braço e cavar assim uma penalidade máxima.

Mas, vamos admitir que minha busca tenha sido infrutífera por incompetência deste pobre escrivinhador.

E que a nova orientação esteja mesmo impressa em algum lugar, essa tal que fala de movimento antinatural do braço ou da mão. O que seria isso? Como identificá-lo, em meio a tantos movimentos que cada um de nós faz naturalmente, mas, que a outrem sugerem uma discrepância?

Quem viu aí o Cerezo jogar bola? Pois Cerezo movia-se em campo com os braços fazendo aqueles desenhos despinguelados no ar, tipo boneco inflado de posto de gasolina. Nele, era absolutamente natural.

Na verdade, a meu ver o que pega neste caso é a interpretação errada que estão fazendo da interpretação sugerida pela Fifa.

Uma interpretação não pode invalidar o que está escrito, muito menos contrariar o espírito da lei. Logo, estão interpretando errado esse troço.

E a quais movimentos antinaturais se refere a chamada nova interpretação que não contrariaria o espírito da lei e seu texto impresso?

Por exemplo: o cara abrir os dois braços na área, reduzindo o espaço do chute adversário. Nesse caso, embora não levasse deliberadamente a mão à bola, estaria deliberadamente utilizando-a com o objetivo de burlar a lei, argumentando que a bola bateu em sua mão.

Ou você se postar na barreira com os braços levantados acima de sua cabeça, coisas desse tipo, que, aliás, já constavam de orientações dadas pela Fifa há muitos anos.

A propósito, se isso é uma deliberação da Fifa, vale para o mundo todo, né?

Pois vejo futebol de tudo quanto é canto do planeta e o que constato? Que lá os juízes continuam seguindo a regra como ela diz no texto: bola na mão, nada; mão na bola, falta.

Mas, num país onde a única entidade que segue à risca o que está escrito é o proscrito Jogo do Bicho, que fazer?

14 comentários

  1. Salve Mestre Alberto, demorei mas te achei… já estava com muitas saudades de sua coluna do IG. Que absurdo é esse de bola na mão agora é pênalty??? Agora me deixa mais preocupado ainda que nesse final de semana foram alguns marcados assim né?

    Sem falar que seus ex-companheiros de bancada Arnaldo Cézar Coelho e meu xará Gaciba endossaram a marcação do primeiro pênalty a favor do Corinthians. Imagine o absurdo, o zagueiro do SP sabia que estavam marcando penaltys de bola na mão, lance rápido na área, a bola bate em Denis e volta nele, num átimo de instante ele pensa: “vai bater no meu braço e o apitador vai mandar por na cal, o que fazer?” Levantou o braço pra claramente tentar evitar o toque no braço, e acabou por resvalar no mesmo braço….ou seja, o corrompimento da regra corrompida por essa tal nova forma de ver pênaltys….

    Um abraço chefe, e felicidades aqui na GE

  2. No jogo em que o Flamengo venceu o Corinthians por 1 a 0 com o gol da vitória em impedimento,houve também uma interpretação ainda mais grotesca do árbitro ao assinalar uma penalidade máxima contra o Corinthians que ao final foi defendida por Cássio.
    O lance do penalti em questão,foi protagonizado pelo lateral Fagner quando a bola bateu
    em seu braço que estava colado ao corpo e na entrada da grande área,sem evidencias de
    possibilidade efetiva de gol.
    Na 2ª feira após tal partida,nada se comentou da interpretação do árbitro e pouca poeira
    foi levantada pela crítica esportiva sobre o gol irregular do Flamengo.
    A crítica esportiva também foi lacônica quando da “mão na bola” dentro da área do jogador do Gremio,não marcando o penalti a favor do Corinthians que perdeu o jogo
    por 2 a 1.
    O que se espera é que a imprensa esportiva discuta,interprete e esclareça com os leitores,todos os casos desta natureza,independente de qual clube tenha sido beneficiado ou prejudicado,mas o lance específico de ontem contra o São Paulo está tornando esta
    2ª feira um dia de intensas discussões e comentários,que parecem teses de doutorado
    de cursos universitários de Direito.

    1. Excelente explanação sobre o tema!!!!
      Está ridicularizando o espetáculo ver, em uma partida de futebol profissional e APENAS AQUI NO BRASIL, esse tipo de interpretação. Infelizmente, vai se tornar corriqueiro.
      No futebol com meus amigos, nao dipomos de árbitros à disposição, marcamos qualquer lance na mão como falta, porque não temos estrutura profissional e só queremos participar de nossa divertida reunião de amigos.
      Não está claro até agora, depois da nossa eliminação na Copa, que precisamos nos espelhar em modelos europeus que estão muitos anos luz na nossa frente. Nossos dirigentes (CBF, STJD, Comissão de Arbitragem, sei lá quem mais) são pretenciosos, arrogantes e precisam de humildade para reconhecer que estamos atrasados, defasados. Reciclagem já no futebol brasileiro.

    2. Oi Mosqueteiro, boa noite …
      Li atentamente sua postagem e Lhe digo que espero até mais da Imprensa, sabia ???
      Que a Imprensa Discuta lances bizarros como essa nova interpretação e mais ainda, que COBRE CBF/ ARBITRAGEM/FIFA e sei lá mais quem …
      Mas desse jeito não dá pra continuar …
      Já imaginou ao final do Brasileirão, mais de 100 penais por causa de bola não mão ????
      Vai ficar estranho heim ????

      1. Ana, o que o Mosqueteiro quis dizer é que, quando o lance determinou a marcação de um penalty contra o Corinthians, no jogo deste contra o Flamengo, (quando também não houve intenção) mesmo após a validação de um gol ilegal (por impedimento) ninguém protestou. Não se viu na imprensa especializada a “interpretação da interpretação” e outras teorias mirabolantes. O mesmo ocorreu no jogo Corinthians x Grêmio. Agora, quando a suposta “vítima” é o São Paulo a coisa muda. É mais ou menos assim: quando é a favor de outros clubes, os árbitros “erram”, mas quando o erro é favorável ao Corinthians, aí os juízes “roubam”.

        1. Essa nova ‘interpretação’ começou durante a copa e esta sendo aplicada dedes a volta dos campeonatos, tanto do Brasileiro como na Copa do Brasil. mas enquanto a pimenta ardia em outros clubes a imprensa rosa pouco se mobilizou, agora que a coisa pegou o São Paulo parece que o mundo caiu. Quanta hipocrisia dessa nossa imprensa.

          1. Ridiculo o comentário do Sr. Helena. Quer dizer que agora para marcar pênalti é preciso conhecer cada jogador, como o Sr. citou o Cerezo que corria com as mãos feito um boneco de vento. E depois se falar em intenção, ora que jogador comete falta na área intencionalmente? Todos vão na bola, o caso do segundo pênalti marcado a favor do Corinthians e segundo o Sr. acertadamente, o zagueiro tentou tirar a bola, não foi intenção dele fazer o pênalti. Mão na bola é pênalti, não há como deduzir que houve intenção ou não na maioria dos casos. O duro disso tudo é ver que quando é a favor do Corinthians vira sensacionalismo, o pênalti marcado a favor do Flamengo não teve essa repercussão. Poderíamos analisar outro lance assim, quando o Fagner desceu para o ataque foi trombado pelo defensor são-paulino, na sequencia do lance, o mesmo Fagner foi trombado pelo atacante são paulino e aí sim a falta foi marcada e nasceu o primeiro gol do São Paulo. Isso não se discute porque é a favor do adversário.

    3. A comparação é válida, o Corinthians sofre com uma certa implicância de algumas pessoas, não é o caso do Alberto, mas tem realmente muita gente que acha que o Corinthians é constantemente beneficiado pela arbitragem, e é só ver um VT com os jogos desse campeonato para ver que é o oposto, em muitos casos.Não acredito, porém, em compensação e, se a regra está nebulosa, temos mesmo que pressionar, fazer o que podemos, para tornar o futebol mais fácil de compreender e de apitar. Acho a dependência de interpretação um absurdo. A falta de recursos tecnológicos em uma partida, também. A verdade é que querem manter o futebol com o mínimo de gastos possível, entregar o poder da interpretação na mão do juiz, e passar bem. Continuar permitindo que Amarillas metam a mão no time que bem entendam quando lhes for conveniente…

      Quanto aos lances, para mim foi tão claro… não sei se estou sendo influenciado por ser corintiano, não descarto. O movimento do zagueiro do SP foi de “despachar” a bola, jogar para longe, para que a mesma não resvalasse nele e entrasse. Não sei se houve a intenção, mas que o movimento lhe foi conveniente, isso foi. Lance tão diferente do pênalti marcado a favor do Flamengo, onde o lateral corintiano mantém os braços absolutamente colados ao corpo, em jogada sem nenhuma chance de gol!

      1. Acho que no caso do penalty em questão, meu caro Felipe, a melhor análise foi do Leonardo Gaciba (ex-árbitro), que ponderou que se o toque tivesse ocorrido no braço de um atacante que, em seguida, fizesse o gol, ele invalidaria o gol. Portanto, se esse tipo de toque é ilegal para o atacante, tem que ser também para o defensor. Então foi falta. E falta dentro da área…

    4. Concordo com o colega mosqueteiro, vejo que a mídia tem forçado a barra em defesa de alguns clubes. Gostaria que as análise fossem do ato (lance) e não seja avaliado pela paixão do jornalista.

  3. Os blogs escritos pelo Senhor Alberto Helena são convites para que o leitor possa expressar sua opinião dentro dos parâmetros de educação e democracia,e neste aspecto,as trocas de informações e opiniões,mesmo que divergentes,são de interessante aprendizado para o jornalista e os leitores.
    Voltando ao meu comentário de ontem e para ilustrar melhor minha linha de raciocínio,
    sintetizo mensagem que recebi de um amigo que vive na Europa,:-
    “…….por aquí,lances como este do zagueiro Antonio Carlos acontecem frequentemente,
    mas a imprensa se manifesta verbalmente ao vivo quando das transmissões por TV e
    ponto final;no dia seguinte nada de longos comentários ,pois entendem que é um fato inerente ao futebol,tanto na sua prática como nos lúgubres e tortuosos caminhos dos bastidores da FIFA e Afiliados;aqui a linha de impedimento provoca mais ruído do que
    a interpretação de mão na bola ou bola na mão”.
    De volta ao Brasil,e para corroborar meu comentário sobre “teses de doutorado”,há mais
    dois blogs escritos pelos Senhores Godoi e Silvestre que se juntam ao do Senhor Alberto.
    Senhor Francisco Lang,os três mosqueteiros já se pronunciaram,agora falta o Senhor
    fazer o papel de Dartagnan e concluir a tese.

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