Um pouco de história (II): O currículo esportivista da Educação Física Escolar

 

Com o passar dos anos, movimentos de ordem militar influenciaram demasiadamente a formação dos professores de Educação Física, até se chegar a um momento, vigente principalmente após o golpe militar de 1.964, que a Educação Física se confunde com o esporte. Aliás, ainda hoje muitos estudantes e seus familiares confundem esse componente curricular com as práticas esportivas.

A influência do esporte no sistema escolar é tão fortalecida que se observa a Educação Física ser subordinada aos códigos e sentidos da instituição esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento desta instituição: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e internacional.

Muitos professores passam a ensinar as modalidades esportivas com a intenção de diagnosticar “alunos atletas” que pudessem representar a escola em competições escolares. Quem se destacasse nesses jogos poderia compor as equipes profissionais das modalidades esportivas olímpicas e se tornar um atleta.

A vitória da seleção brasileira de futebol nas Copas do Mundo de 1958 e 1962 contribuiu para fortalecer esse discurso do esporte na escola. Muitos pesquisadores defendem que, após o golpe militar, o esporte foi utilizado como uma política de “pão e circo”, fazendo com que a população esquecesse os problemas de ordem social e a repressão que ocorria no país nesse momento histórico. O auge dessa política foi quando a seleção brasileira de futebol vence a Copa do Mundo de 1970 no México.

As aulas de Educação Física passam a ser obrigatórias também no Ensino Superior, com a intencionalidade de estimular as competições esportivas universitárias na busca de novos atletas e para criar uma população mais “saudável” ao praticar esportes.

Também foi possível observar, nesse momento histórico, a repressão por parte do Estado em diversos diretórios acadêmicos e grêmios estudantis, para desviar a atenção dos estudantes das questões de ordem sociopolítica. Em diversas instituições escolares, os movimentos estudantis foram transformados em centros recreativos ou em clubes esportivos, esvaziando qualquer tentativa de debates por questões políticas.

Portanto, a Educação Física tinha um papel fundamental no projeto defendido pelos militares no Brasil. Essa importância estava relacionada ao desenvolvimento da aptidão física, considerada importante para a capacidade produtiva da classe trabalhadora da nação e ao desenvolvimento do desporto, o que contribuiria para colocar o Brasil no ranking das nações desenvolvidas.

Entretanto, o que acabou acontecendo, em diversificados ambientes educacionais, foi tornar a aula de Educação Física um espaço para treinar os mais habilidosos e excluir os estudantes que não tinham competência para representar a suas escolas nas competições escolares. Mesmo com a existência das turmas de treinamento, as aulas de EF, que deveriam ser para todos, tornaram-se uma extensão das atividades esportivas realizadas no contraturno escolar. Na maioria dos casos, sendo o mesmo docente que ministrava tanto as aulas curriculares quanto os projetos esportivos, utilizando a mesma estrutura didática para os dois momentos.

 

Texto do professor Doutor Daniel Teixeira Maldonado.

Daniel Carreira Filho

4 comentários

  1. Em mais um marco histórico da Educação Física Escolar (EFE), onde a mesma se tornou um conteúdo e não mais uma disciplina no ensino médio, a sua série “Um pouco de história” me fez pensar em algo que muito pensei quando se iniciou a discussão sobre a mudança do ensino médio. A população relaciona a EFE à prática esportiva, às olimpíadas, ao fitness, ao corpo saudável. É isso que as pessoas em geral pensar ser a Educação Física Escolar? Infelizmente sim, e esse discussão só deixa “brechas” para que os governantes possam minimizar a importância desse campo de transformação e formação. A minha forma de ajudar foi realizando uma palestra na universidade que estudo (UFC) onde apresentei em que busquei orientar os acadêmicos sobre isso, mas apenas 7 pessoas compareceram. Dessa forma, como não devamos agir para não nos desmotivarmos?
    Obrigado pela fala.

    1. Olá, Francisco José
      Sua fala nos reportou a um momento, lá pelos idos de 1990, quando pela primeira vez tentamos realizar um encontro na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo para discutir a Educação Física Escolar. A platéia era de no máximo 10 pessoas incluindo os conferencistas. Reunimos professores de alta competência, oferecemos gratuitamente e mantivemos as falas mesmo com o público reduzido. A luta continuou e temos, nos dias de hoje, público excelente para as discussões. Não desista. É assim mesmo, temos que ampliar os espaços para a discussão e aprofundamento. Contamos com você.

  2. IFSPR
    É incrível como a EF vêm se transformando ao longo do tempo, se tornando algo mais recreativo do que educativo, onde alunos disputam quem será o melhor em determinado jogo e excluem aqueles que não se adaptam a ele. Muitas vezes o praticante apenas almeja ser o campeão, ignorando o significado real da prática da EF, onde é necessário que todos se entendam para ter um bom jogo e o respeito há de prevalecer.

    1. Olá, Thayná
      Foram anos de luta para a transformação e avanços.
      Enfim, como você está vivendo, há espaço para a diversidade socialmente responsável.

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