Revisitando a tradição do jogo “queimada” durante as aulas de Educação Física escolar

Ao revisitar a minha infância, muitas lembranças retornam como um filme sobre as experiências com jogos e brincadeiras que realizei com meus colegas na rua tranquila do bairro que morava, em um tempo em que veículos só passavam de meia em meia hora! Aqueles pés descalços no asfalto quente, riscado de “giz” improvisado com pedaço de tijolo de barro, revivem na memória sentimentos de alegria, divertimento, aprendizado e socialização proporcionada pelas relações de amizade e pelo hábito diário de jogarmos “queimada”. Bastava um grito de chamamento no portão: o João chamava o Paulo, que me chamava, que chamava o Carlos e assim por diante. Os jogos rolavam e quando nos dávamos conta o sol já estava se pondo, ouvíamos vozes, nem sempre muito amistosas (porém necessárias) vindas dos portões de nossas casas: corre! tomar banho, jantar, lição de casa, cama!

Desde as experiências mais informais de divertimento entre amigos, até a utilização educacional das práticas corporais constituídas culturalmente ao longo da história, nesse caso, o jogo da queimada vai sendo estudado, acrescentando-se ao jogo novos significados durante as aulas de Educação Física na escola. O que se desenvolvia como uma brincadeira de criança, hoje ganha espaço nos currículos de Educação Física. Foi isso que ocorreu em duas escolas da rede municipal de Santo André, nas quais eu, meu companheiro de trabalho professor Uirá Farias e a professora Juliana Nascimento, atuamos ministrando aulas para alunos do 4º e 5º anos do ensino fundamental. De uma união entre os conhecimentos dos alunos, familiares e professores dessa rede de ensino, optou-se por tematizar essa manifestação cultural a partir dos diferentes conhecimentos desses atores.

Os alunos puderam a partir de pesquisas online, entrevistas com familiares e troca de informações entre os colegas aprender que existem diferentes nomes para esse jogo variando entre diferentes regiões do país e até no exterior: baleado, barra-bola, bola queimada, caçador, carimba, carimbada, cemitério, dodgeball, jogo do mata, mata-soldado, prisonball, dentre outros. Aprenderam também que dependendo das influências culturais de determinados grupos de pessoas ou crianças, seus interesses e características, as regras do jogo e as formas de jogar podem variar. Puderam vivenciar parte dessas diferentes formas de jogar ampliando seus conhecimentos e experiências. Compreenderam que meninos e meninas poderiam jogar juntos e vencer seus medos e inseguranças a partir da colaboração entre eles. Tiveram a oportunidade de criar e adaptar algumas regras e formas de jogar de acordo com a disponibilidade dos espaços, materiais e quantidade de participantes.

Os estudantes também estabeleceram relações com outras disciplinas do currículo escolar como a História (com a queimada reinado), em que os alunos estudaram como funcionavam os feudos na idade média, e com a matemática (queimada matemática), criada pelos professores em que os alunos teriam que estabelecer estratégia para que além de alcançar o objetivo do jogo, deveriam estabelecer a ordem de jogadas de modo a efetuarem o cálculo matemático elaborado anteriormente. Por fim, puderam realizar uma autoavaliação, como uma forma de refletir sobre o que aprenderam durante o processo, suas atitudes e sua participação durante as aulas.

Nesse trabalho desenvolvido, a Educação Física na escola respeita a tradição cultural do jogo em questão, contextualiza, experimenta e amplia os conhecimentos dos estudantes e de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Iniciamos essa experiência junto aos alunos com a certeza de que sabíamos alguma coisa a respeito do tema. Saímos dela com a certeza de que sabíamos pouco, e com a esperança de que ainda teremos muito que aprender juntos!

Texto do professor Vinicius dos Santos Moreira

Mais detalhes sobre essa experiência, você poderá encontrar no artigo: “Entre a tradição e o contemporâneo: o jogo de queimada e as diferentes possibilidades de utilização pedagógica na educação física escolar”, na Revista Brasileira de Educação Física Escolar no link: http://www.rebescolar.com/r-art5-a2v2

 

 

 

Daniel Carreira Filho

5 comentários

  1. Queimada do quadrado, queimada Castelo, queimada ratoeira, variações de cooperativas, entre outras.
    Muito bom comentário, Vinicius Moreira.

    1. Conceição, muito legal você relatar outras configurações desse jogo. Isso mostra o quanto nossa cultura é diversificada e que uma mesma prática corporal pode ser caracterizada, vivenciada e pensada de diferentes maneiras em um movimento constante de recriação.
      Abraços.

  2. Professor Vinícius, parabéns pelo trabalho. Fica bem claro que essa prática tem caminhado para uma valorização da nossa área, pois evidência aprofundamento, pesquisa, participação ativa dos alunos e possibilidades para um olhar crítico sobre as manifestações da cultura corporal do movimento. Muito legal.

    1. É isso mesmo Uirá.
      E para além de valorizar a nossa área, valorizar principalmente os conhecimentos dos alunos, familiares e de todos os professores que caminham junto na nossa rede de ensino.
      Abraços e obrigado pela participação.

  3. Excelente trabalho professor Vinicius !!! Fez com que resgatasse as brincadeiras da minha infância, como isso é importante para Educação Física, precisamos de mais trabalhos como esse, dar espaço para que as crianças comentem, contem, compartilhem suas experiências, vivências, e assim construir cada dia uma Educação Física com significados permanentes. Com certeza muitas práticas pedagógicas como essa da Queimada tem sido significativas para a criançada, trazer esse relato nos faz vislumbrar novas possibilidades para nossa área.

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