Esporte para os alunos ou alunos para o Esporte?

As colocações feitas sobre algumas estratégias que ainda estão presentes no ambiente escolar nos motivou na direção de elaborar esta provocação.

O universo dos Esportes Institucionalizados[1], carregados de interesses econômicos e políticos inconfessáveis (diríamos inescrupulosos) tende a buscar o ambiente escolar para a conquista de novos e adequados seres humanos para alimentar seus interesses. São inúmeras as ofertas de atividades no seio da escola que são “impostas” aos alunos e professores em prol do que se convencionou denominar “descoberta de talentos para o esporte”. O mesmo fenômeno ocorre em outras áreas do conhecimento humano, incluindo as pesquisas acadêmicas que encontram na congregação diária de seres humanos no seio da escola a facilitação de suas estratégias metodológicas que, no entanto, nada se relacionam com a vida escolar.

O Esporte competitivo, que abunda em nossa sociedade desde a mais tenra idade (Iron Kids como exemplo mais absurdo e gritante), invade o ambiente escolar com a pretensa concepção de que a todos oferece seus benefícios. Mas, na realidade, esta oferta faz reproduzir os mecanismos de exclusão, valorização dos mais hábeis e, infelizmente, o abandono à própria sorte dos inábeis, gordinhos, magrinhos, deficientes enfim, os que mais necessitam destas atividades.

Como isso acontece? Assim que são abertas as inscrições para as competições esportivas são selecionados os mais hábeis para representar a instituição escola. Algumas escolas passam a treinar seus alunos no mesmo horário das aulas de educação física que devem ser para todos (excluem-se, portanto, os menos hábeis). As aulas são suspensas quando os docentes acompanham seus “atletas” nos eventos e, uma vez mais os que mais necessitam das oportunidades tornam-se apenas plateia e, em muitos casos, presenciam o “pugilato de arquibancada” entre adultos (pais ou responsáveis) que não compreendem a relação entre crianças, transformando o encontro esportivo em barbáries semelhantes às que vivemos nos estádios de futebol com as “torcidas uniformizadas”.

Entendemos que o Esporte Escolar é uma saudável oportunidade para todos, desde que tenhamos clara distinção entre o esporte enquanto manifestação da cultura corporal de movimento, que deve ser para todos e com amplas possibilidades de participação, domínio e aproveitamento para a vida e o Esporte Escolar de representação institucional, este para poucos e que mereceria a devida atenção de professores, diretores, organizadores e autoridades públicas. A continuar o mesmo procedimento até então adotado, sem dotar a atividade de recursos e alternativas que preservem as oportunidades para todos com a manutenção das aulas de Educação Física do componente curricular e seus objetivos, não haverá a mudança cultural e social indispensável.

Apenas como exemplo da incoerência. Em uma escola temos cerca de 1.000 alunos/alunas. Considerando que as competições são para as modalidades de Basquetebol, Voleibol, Handebol e Futebol de Salão (Futsal), teremos um máximo de 96 crianças participando o que não atinge 10% da comunidade escolar. E, ao atender a estes, 90% ficará sem aulas, participará da torcida e continuará alimentando os dados estatísticos do sedentarismo, da incompreensão sobre a cultura corporal de movimento, das injustiças sociais repetidamente presentes e da desvalorização do componente curricular Educação Física.

Um diagnóstico ainda mais grave dessa situação vergonhosa é que os “alunos atletas”, que participam dessas competições, muitas vezes não contam com espaços adequados para treinar e desenvolver o seu potencial.

Queremos dizer que estamos trilhando um percurso equivocado. As aulas de Educação Física deveriam ser para todos os estudantes que frequentam escola e, por consequência, aqueles que gostam de uma modalidade de luta, dança, ginástica ou esporte deveriam encontrar no setor público estruturas esportivas que lhe possibilitassem um treinamento mais elaborado da prática corporal democraticamente escolhida.

Todavia, a grande maioria dos estudantes que não se tornarão atletas, teriam garantido o conhecimento acumulado sobre as manifestações da cultura corporal de movimento (nas aulas de Educação Física Escolar), potencializando a sua formação para a cidadania.

Certamente, muitos dos leitores deste BLOG passaram ou assistiram a estas cenas em suas vidas escolares. E hoje, como reflexo de suas experiências repleta de insatisfações, perpetuam o quadro presente, não encontram justificativas para o componente e defendem, assim como nossos Deputados e Senadores, a exclusão da Educação Física no Ensino Médio (que envolve adolescentes e a adolescência é um momento ímpar da formação humana).

[1] Quando a manifestação da cultura corporal de movimento é transformada em competição organizada por federações, confederações nacionais e internacionais e a busca pelo resultado é o objetivo maior .

15 comentários

  1. Belo texto professor Daniel Carreira Filho. O esporte institucionalizado é o câncer da Educação Física Escolar. Câncer esse que se espalha no seio de professores acríticos, despreparados, que excluem a grande maioria dos estudantes das aulas para privilegiar uma minoria de alunos mais habilidosos.
    Não se faz nem uma discussão séria na Educação Física Escolar sobre as dificuldades que vivem os atletas brasileiros. Vende-se uma imagem e uma realidade que não existe.
    O esporte, como manifestação da cultura corporal de movimento, deve ser muito tematizado nas aulas de Educação Física, desde que essa tematização trate de aspectos políticos, sociais, econômicos, religiosos, relacionados com a saúde ou a falta dela, dentre outros tantos temas possíveis.
    Todavia, a Educação Física Escolar muda a cada minuto. Uma nova tradição didático-pedagógica se apresenta nos palcos escolares. Os docentes, autores de sua prática pedagógica, estão conquistando cada vez mais autoridade e legitimidade para “escrever” outra realidade.
    Vamos a luta em um dia de muita luta.
    Daniel Maldonado

    1. Olá, Daniel Maldonado
      Vivemos uma realidade bem distinta da que presenciamos no passado.
      Há, sim, muitos professores preocupados com adoção de novas e coerentes propostas para a Educação Física Escolar.
      Apenas, e infelizmente, ainda um grupo menor do que o necessário.
      Mas, há muito por fazer e transformar. Parabéns por suas intervenções

  2. Olá professor! De fato reprisei minha vida na Educação Física escolar até o atual momento e em diversas partes do texto me lembrei de minha antiga escola e de como meus colegas de classe reagiam as aulas de Educação Física, a consideravam como uma espécie de “banho de sol”/tempo de descanso das aulas e/ou tempo livre para acessar redes sociais, tudo isso enquanto os “alunos atletas” recebiam unica e exclusivamente atenção dos professores enquanto praticavam sempre, como uma espécie de “ritual sagrado”, as mesmas modalidades esportivas: Voleibol, Futebol e Handebol, praticados pelos mesmos grupos de alunos (as famosas “panelinhas”). Alguns alunos hábeis tentavam ajudar os inábeis para tratá-los com igualdade (tentando diminuir a exclusão), certamente funcionava (exceto aqueles que realmente não se permitiam) e deveria ser aderido por todas as instituições, a única falha nessa “tática” era que os alunos ainda se prendiam as mesmas modalidades e não apresentavam proposta alguma do que gostavam aos docentes.
    De qualquer forma precisamos eliminar a crença de que “se não sei jogar, não devo me arriscar”, excluir as ideias de que devemos ser competitivos chamando atenção para nós mesmos, para nosso jogo e não para o nosso time em um todo e que devemos sempre aceitar as ordens de docentes que nos orientam a passar a bola, passar a vez aos mais hábeis, devemos procurar nos destacar e incluir todos os discentes nas aulas, eliminando as diferenças e a competitividade.
    Deputados e Senadores que “garantem” nossos direitos, antes de formularem a Reforma do Ensino Médio ao menos questionaram os próprios discentes e docentes do país sobre sua opinião a respeito do assunto? Como nós, cidadãos brasileiros, que temos nossos direitos naturais propostos pelo Estado não podemos opinar na decisão de uma entre muitas outras leis que são para nós mesmos? Por que ao invés de aplicar recursos na educação brasileira o Estado veio impondo reformas que dividem as áreas do conhecimento e eliminando algumas matérias do componente curricular obrigatório? Matérias que se tiverem seus costumes levemente modificados proporcionarão novas experiências aos alunos e consequentemente, a inclusão social.

    Bruna Antunes.

    1. OLá, Bruna
      Ficamos muito felizes que o tema que foi postado fez você elaborar este comentário que, em suma, representa os anseios de todos nós. Ver transformações em favor da Educação.
      Parabéns!!!

  3. Primeiramente gostaria de parabenizar o blog por preservar essa ideia de que a escola é para todos, em união, e também por conseguir um momento de reflexão de seus leitores.
    Ao terminar de ler o post me recordei de passagens que acreditava ter excluído da memória, por serem fatos que me excluíram de atividades que eu julgava gostar ou por serem humilhantes não para mim, mas para a reputação da minha antiga escola. Lembro bem que nos últimos três anos que passei lá participei de no máximo duas ou três atividades pois todas as aulas, sem exceção, seguiam um roteiro que consistia somente em: ” Professor(a) entrega os materiais(bola, corda, cones), divide a quadra entre futsal e alguma atividade para as meninas, se senta e fica mexendo no celular ou sai da quadra e volta somente quando o horário da aula já está no fim”, isso é claro, quando as meninas e alguns meninos não eram excluídos das atividades da quadra para dar espaço para o futsal.
    Não havia proposta alguma para inserir os alunos menos hábeis em alguma atividade, mas em vários momentos a escola inteira ficava sem aula nenhuma por dois ou três dias para presenciar os “atletas” mostrando seu talento em jogos interescolares ou entre as salas (em alguns dos jogos presenciei brigas dignas de estádios de futebol, com direito a ‘voadora’).
    Como uma das pessoas consideradas menos hábeis, preciso agradecer por finalmente entender o que realmente é a educação física no ambiente escolar e por me sentir incluída em atividades outrora pertencentes apenas à um grupo específico de pessoas.

    1. Olá, Giovana
      Muito sensibilizado com sua manifestação. Há esperança em que conquiste superar os limites, encaminhar a mudança e contribuir na direção de outros também tenham a oportunidade de vivenciar e terem prazer em suas práticas.

  4. Evellyn Torres Costa – Redes
    Olá professor,
    Queria primeiro parabeniza-lo pelo texto, é a primeira vez que leio algo relacionado a este assunto e realmente gostei muito!
    Gostaria de fazer alguns comentários sobre o texto. Bem, como você mesmo disse e eu confirmo, muitas pessoas passaram e viram muitas cenas deste tipo, e eu fui uma delas, e por um tempo fui uma das pessoas que não via significado para a Educação Física Escolar, porém mudei de ideia.
    Deixo aqui um pequeno relato de minhas experiências em Educação Física que acho que valha a pena mencionar.
    No que vejo agora do Ensino Fundamental I (1° ao 4° ano) e do meu próprio há alguns anos, percebo que muitos professores, por considerar os alunos muito jovens, não levavam a sério a Ed. Física e optavam por dar uma bola de futebol para os meninos e uma corda de pular para as meninas, eu até entendo que crianças são cheias de energia e que é só um professor para 30, 40 alunos. Mas não acho correto fazer isso com as crianças, sendo três aulas na semana, sempre alternando entre as quatro modalidades do ‘’quarteto hegemônico ‘’ e ainda ajudando nesse preconceito entre meninas e meninos na quadra. Havia crianças que brincavam como se a Ed. Física fosse ‘’recreio’’ e é claro que existiam aqueles alunos que se consideravam acima do peso, que tinham alguma dificuldade, ou simplesmente estavam cansados da mesma coisa de sempre, que ficavam de fora.
    Quando passam para o Fundamental II (5° ao 9° ano), vejo que alguns professores tentam fazer com que os alunos levem a ‘’sério’’ a aula, mas para crianças que estão acostumadas a olhar para a aula de Ed. Física como um ‘’recreio’’, é complicado. Então optam de novo pelo quarteto hegemônico.
    Em meu Ensino Fundamental inteiro nunca gostei muito, também não via significado para tal disciplina. No começo tentava participar, mas com a falta de apoio do professor e dos alunos, preferi a companhia do banco.
    Os professores porque insistiam em passar o quarteto hegemônico, organizando campeonatos com os mesmo esportes, onde as mesmas pessoas participavam. Sendo os alunos que tem “técnica”, excluindo quem tinha dificuldades.
    E os alunos, ao invés de ajudar, incentivar quem não tinha técnica ou alguma dificuldade, praticavam bullyng. Se alguém errava algo, no mínimo que seja eles ‘’caiam matando’’. Fazendo a autoestima e autoconfiança de uma pessoa desmoronar.
    Com o tempo fui percebendo que as arquibancadas e bancos foram ficando cada vez mais cheios, em sua maioria formada por meninas. E a quadra, única espaço disponível para aulas de Ed. Física ficou divida entre, um lado grande da quadra meninos jogando ou treinando para algum campeonato, sempre de futebol. E em uma parte pequena da quadra, grupos pequenos de meninos e meninas jogando vôlei.
    Creio que até hoje me deixo influenciar pelas minhas experiências ruins em Ed. Física. Eu me esforço pra participar, mas às vezes ainda fico no banco assistindo, só que com medo que a historia se repita. Mas pelo menos agora eu vejo a importância que ela tem em minha vida. Fui descobrindo as limitações do meu corpo e uma forma melhor de cuidar dele. Uma pena que só fui perceber isso fora da aula, em projetos e cursos gratuitos.
    Como o texto diz, e eu concordo, a aulas de Ed. Física deveriam ser para todos os estudantes. Onde todos usufruam, e não só uma minoria, e não deve abranger apenas os mesmos esportes.
    Vi em um texto recente deste blog sobre a ‘’Semana Radical’’ e a pergunta que foi feita ‘’ Se skate também é parte da nossa cultura, por que nós não podemos aprender na escola?’’. Eu achei simplesmente fantástica a pergunta e a ideia!
    Um projeto que deve ser adotado por todas as escolas, que inclui todos os alunos, fazendo uma coisa diferente, compartilhando experiências, sem competitividade, e é uma forma de trazer as pessoas que ficam no banco para se mexerem e aprender coisas novas. Isso transforma a aula e fica bem mais divertido quando é todo mundo junto.
    Infelizmente projetos como a ‘’Semana Radical’ na maioria das escolas não são aceitos. Se uma pessoa gosta de lutas, ginástica ou dança tem que fazer algum curso em outro horário, sendo pago ou gratuito.
    O que precisa ser feito é uma mudança na forma com todos nós vemos e tratamos a Educação Física Escolar. Porque afinal ela é muito importante!
    Abraços.

    1. Olá, Evellyn, fantásticas suas colocações. Realmente, a Educação Física estava reproduzindo o imobilismo, a elitização e exclusão. Bom que pessoas como você vejam a diferença e saibam valorizar a mudança.

  5. Saudações Professor! E parabéns pelo posicionamento excelente.

    Sempre participei das aulas de Educação Física no Ensino Fundamental como uma obrigação e não por prazer. Durante essas aulas, sentia-me um obstáculo para o aprendizado de meus “colegas atletas” que inclusive caçoavam ou se irritavam das minhas pouquíssimas habilidades. Enquanto, muitos alunos com dificuldades semelhantes as minhas simplesmente optavam por não fazer a aula, aceitar um zero no boletim e aconselhar-me a aproveitar o tempo de descanso.
    Além desses casos cotidianos, havia (melhor: ainda há) um grande espetáculo todo ano para apenas confirmar a diferenciação do esporte na escola. No período de uma semana “os atletas” da EMEF X participavam de um campeonato interno na escola, no qual as aulas eram suspendidas e quase imposto que “não atletas” servissem de torcida- o que estes, de repente, estavam agradecendo ao esporte por ser tão legal a ponto de suspender as atividades escolares costumeiras-.
    Baseado nestas minhas experiências aliado dos comentários feitos no presente texto, é possível perceber uma ausência de conscientização de determinados professores e estudantes para entender o real significado do esporte nas escolas, devemos dar jus a expressão “Educação Física” a fim de orientar uma prática saudável e includente do mesmo.

    1. Olá, Gabrielle
      Realmente, o que justifica a existência dessas atividades competitivas no seio da escola quando estas substituem as experiências necessárias a todos? Apenas a visão equivocada das finalidades da Educação.

  6. Parabéns professor pelo texto, e por todo seu trabalho.
    Concordo com o texto, realmente a hipocrisia que há na Ed. Fisica em diversos institutos escolares, onde os mais hábeis são os primeiros a serem chamados e os menos, os últimos. Sendo os próprios professores ou diretores os responsáveis por isso.
    Um exemplo disso acontecia na minha antiga escola, onde os únicos esportes jogados eram basquetebol, futsal, handball, e vôlei, o famoso quarteto hegemônico, sem contar que também “nós” tínhamos 2 aulas de Ed. Física por semana, porém essas duas aulas eram divididas, sendo 1 dia para os meninos e o outro para as meninas, ou seja, 1 dia as meninas só olhavam e no outros os meninos só olhavam, pois o professor (a), não queria que os meninos jogassem junto das meninas.
    O professor (a) no dia dos meninos eram influenciados pelos próprios alunos, e elegiam 2 capitães, onde iam escolhendo jogadores um de cada vez para completarem seu time. Sendo que só de menino havia cerca de 16 alunos, e eram chamados para os jogos sempre os mesmo 12. E os outros 4 ficavam esperando, vendo se alguém saía para eles entrarem.
    No dia das meninas, o professor (a) deixavam as meninas se virarem sozinhas, proporcionando – lhes apenas a bola do esporte que estava sendo jogado naquele bimestre escolar. Nesse dia mais da metade das meninas ficavam sem fazer nada nas aulas de Ed .Fisica, pois também eram excluídas pelas outras por serem menos hábeis no esporte praticado.
    Isso é um sério problema hoje em dia, e é necessário mudar isso tudo. Podendo proporcionar uma Aula de Ed. Física boa e justa, para todos os alunos, e abrindo os horizontes para novos esportes, podendo assim sair desse quarteto homogênico, e variando as experiencias e aprendizagens na Ed. Física para os alunos.

    1. Olá, Henrique
      Seu posicionamento muito nos alegra, especialmente por identificar as carências vividas e a perspectiva de novos caminhos possíveis. Abraços.

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