
No programa da última terça-feira ao vivo no Gazeta Esportiva, comentei o sonho que realizei ao ser convidado pela equipe Renault de F1 para pilotar o carro da maior categoria do automobilismo mundial. Foi em 2013, no circuito de Paul Ricard, que recebeu o último GP da temporada no domingo passado.
Este vai ser um dos temas do próximo domingo no Momento Velocidade, mas aproveitei para colocar aqui no blog parte do relato que fiz na época para a revista Alfa:
Imagine sua cabeça trepidando sem parar, seu corpo totalmente prensando num espaço apertado e envolto em uma roupa de astronauta em pleno calor de verão de 30 graus. Tudo isso para guiar por apenas cinco minutos um carro com mais de 10 anos de uso. Parece uma tortura? Agora repense: você está realizando o sonho praticamente universal de pilotar um carro da categoria mais rápida do planeta, a F-1.
Eu estive no circuito de Paul Ricard, na França, com a grata missão de fazer o teste que, segundo descritivo do próprio programa da equipe Lotus Renault, “mudaria para sempre a maneira como você vê uma corrida de F-1”. A primeira grande vantagem de dias de pilotagem como este (a maioria na Europa, veja quadro abaixo com algumas opções na França e Inglaterra) é democratizar o acesso a um carro no qual um universo muito restrito de pilotos consegue colocar as mãos em seus cobiçados volantes.
“Existem muitos pilotos profissionais que jamais guiaram um F-1, mesmo tendo feito anos e anos de carreira, do kart às fórmulas de acesso, como GP2 ou F3. Por isso, é um sonho difícil mesmo de se concretizar”, explica Scott Mansell, um dos instrutores da Lotus Renault em Paul Ricard e que foi praticamente meu chefe de equipe durante o meus 15 minutos de fama como piloto de F-1 na França.
Ele mesmo foi um piloto de Indy Lights (sem parentesco com o famoso Nigel, ele esclarece) e que hoje ensina cidadãos comuns como eu e você a como domar um carro de 750 cavalos de potência com apenas um dia de curso. Parece irresponsável, mas quando chega a minha vez de acelerar noto que, embora a adrenalina esteja a mil (afinal, vou pilotar um F-1!), tudo é feito para as coisas saiam exatamente como o esperado: você com um sorriso de orelha a orelha – e, claro, o carro de F-1 de volta ao box inteiro.
Ter um chefe de equipe é apenas um dos “mimos” que o piloto por um dia recebe. O dia começa com sessões de fisioterapia, que também te prepara o líquido especial que os pilotos bebem para se hidratar – e, claro, aproveitar para fazer propaganda de energéticos nas transmissões para 200 países. Claro que, no meu caso, fiquei o tempo todo com a garrafinha na mão só para manter o estilo…
Outro detalhe fundamental é que, antes de te lançar em um F-1, o programa inclui duas sessões de cerca de 25 minutos cada em um Fórmula Renault. Primeiro, você sai atrás de um veloz carro de rua – um Lotus, no meu caso. O instrutor te mostra as linhas de tangência e fica mais fácil de visualizar os cones na pista que ajudam na referência de freadas e pontos de entrada, contorno e saída de curva. Muito parecido com o que acontece em cursos de pilotagem, como o do Audi Driving Experience, que havia feito um mês antes.
E isso é uma dica que faz todo o sentido: fazer um curso no Brasil é um ótimo preparativo para se preparar melhor na hora de chegar em um F-1. Até mesmo a experiência de corridas de kart me ajudou – e isso ficou claro quando, na segunda sessão com o F-Renault, no qual todos andamos sozinhos, o meu “engenheiro” trouxe a telemetria e disse: “bom trabalho, tenho certeza de que você já tem experiência prévia de pilotagem”. Mais do que marcar o melhor tempo entre todos os pilotos que estavam andando naquele dia, ele notou que conseguia desenvolver aceleração plena nos trechos rápidos e brecar com eficiência o F-Renault, atingido mais de 200 km/h na mítica reta Mistral, que foi por alguns anos a mais rápida da F-1 (hoje se usa apenas metade de sua extensão original).

Outra vantagem da experiência prévia é que você pode focar apenas no aprendizado de como guiar um fórmula, que é bastante diferente de um carro de rua ou mesmo de competição. E os 25 minutos guiando sozinho formam o melhor momento para o dia de piloto em termos de aprendizado, pois o carro é bastante “na mão” (ou seja, você consegue colocá-lo onde quer na pista, sem ser muito arisco) e o deixa mais confortável quando chega-se no F-1 que, embora seja a parte mais curta, obviamente é o auge do seu dia.
O meu foi às 16h de uma tarde ensolarada em Paul Ricard. O momento em que você é chamado a sentar no carro e dão o OK para você ir para a pista faz você sentir a ansiedade de como quem vai largar para decidir o título da F-1 (não ria, isso acontece mesmo!). Eles fazem um grid como se fosse da F1 mesmo para deixar o clima completo.
Nos minutos finais antes de acelerar, converso com meu “chefe de equipe”, que me relembra de como sair com o carro. Algo bem difícil e cuja prática a gente faz em um cockpit separado para já chegar treinado no F-1.
Hora de ligar o motor. Faço aquele sinal típico com a mão girando (nem precisava, mas faz parte do show). O barulho é ensurdecedor – no bom sentido. A embreagem, muito dura e de cursor curto, precisa ser muito bem acionada, com o motor mantendo o mesmo giro. Saio de primeira e sem engasgar, o que em si já é uma grande conquista – até o Nicholas Prost (este sim, filho do tetracampeão Alain), com quem dei uma volta no F-1 de dois lugares, deixou o carro morrer naquela tarde.

Nas primeiras curvas, como quem se aproxima de uma grande fera, vou de mansinho, esperando entender seu comportamento. Havia um detalhe: se eu rodasse, minha experiencia de F1 acabaria por aí. As duas voltas são só para quem consegue domar a fera. Chego na reta Mistral e consigo engatar a sexta marcha, aceleração plena e adrenalina a 1000 km/h.
Nas curvas seguintes, abuso um pouco mais e já antes da primeira volta confesso que o volante (sem direção hidráulica) já incomoda o braço. Recebo a bandeirada e, com ela, a vontade de acelerar mais. Após a reta do box, frito até os pneus! “isso é bom, sinal de que você está no limite”, me disse Mansell – não esperaria outra reação deste sobrenome. E, já sem tanto medo do carro, vou ao meu limite na reta Mistral e chego a 265 km/h na reta – fiquei sabendo depois pela telemetria, nem conseguiria enxergar nada no volante, porque a cabeça não para de mexer. Impressionante como cada mini ondulação vira uma montanha russa no carro – nunca mais vou chamar de fresco os pilotos que reclamam dos autódromos…
Trago o carro inteiro para os boxes. Desligo o motor e deixo ele rolar para chegar glorioso de minhas 2 – e até aqui únicas – voltas como piloto de F-1. Minha missão está cumprida e comemoro como se aquele título mundial tivesse sendo vencido. Uma fantasia de criança, claro, mas não é disso que em muitos momentos se trata a vida, afinal?