O enterro da ética? Acertos e erros da arbitragem

Série-A – Rodada 31ª

Jogo 1

Atlético GO x Palmeiras – A ética não morreu

Foto: Cesar Greco/SEP

Embora nesse jogo não tenha havido lance polêmico, o Sr. Sandro Meira Ricci, na transmissão da Sport TV, fez um comentário tão desastroso eticamente que não pode passar sem o registro de nossa indignação.

Aos 07min. do segundo tempo, houve dúvida sobre se seria tiro de canto ou com tiro de meta, porque dois adversários jogaram a bola quase que simultaneamente.

Questionado sobre o lance, o indicado comentarista saiu com a seguinte pérola: “Na dúvida, nós, árbitros, sempre marcamos tiro de meta, pois um gol não pode ser marcado de um escanteio duvidoso. Isto é uma realidade.” (talvez em outras palavras, mas com igual conteúdo, seguramente).

Santo Deus! Isso é a morte da ética e revela a filosofia de arbitragem que o Sr. Sandro Meira Ricci adotava.

Todavia, tal concepção é falsa, pois nunca foi, não é e nunca – o que esperamos com fé em Deus – será assim.

Registre-se que, se, como confessou, o Sr. Sandro Ricci agia de tal forma quando era árbitro, isto não ocorria por força de instrução da CBF, mas por recôndita decisão pessoal, centrada na conveniência em lugar do certo; na autodefesa, por meio de esperteza nefasta; e no descompromisso com a ética.

Por isso, é indispensável dizer que quando atuávamos como instrutor da CBF, inclusive do Sr. Sandro Ricci, provocávamos os árbitros sobre como decidir os lances quando não tivessem convicção, quando estivessem em dúvida.

A orientação era simples e simples deve continuar sendo, pois, de tal forma, a ética jamais será arranhada: “decidir com base em algum elemento, em algum indício que tenha sido visto ou sentido pelo árbitro, ou por seus assistentes, a exemplo da posição dos jogadores; da probabilidade de quem poderia jogar a bola; da força e da direção que a bola tomou  etc. etc., de sorte que, mesmo sem convicção, o árbitro sempre tivesse alguma elemento para basear-se, sem pois, nunca, jamais – o que ressaltávamos com muita ênfase e claramente – agindo por “esperteza”: “na dúvida a favor da defesa”, pois isto sempre foi, é e eternamente será antiético; revela autodefesa covarde; aponta para fuga da responsabilidade; enfim, para a desonestidade da alma; para a existência de uma vida sem essência.

Tudo, além do mais, porque o mesmo dano que se causa a uma equipe quando se marca tiro de canto erradamente, é o mesmo que se causa a outra quando se assinala tiro de meta que não houve. É bom lembrar que as situações de dúvida ocorrem frequentemente com arremessos laterais; com faltas não faltas; com pênaltis não pênaltis; etc. etc. Sendo assim, agir com a indicada e nefasta filosofia causaria dano irreparável ao jogo e de modo contínuo.

Também éramos enfáticos no quesito relacionado com a barreira defensiva, quando sua posição correta era sobre a linha da área penal. Nessa situação combatíamos a infeliz ideia de deslocar a barreira para frente, cujo objetivo era evitar incidentes de pênaltis.

Dizíamos nós: “não, absolutamente não. A barreira tem que ficar a 9.15m da bola. A regra deve ser cumprida. A responsabilidade de tocar a bola com a mão é do defensor e que deve arcar com as consequências. A arbitragem é que não pode prejudicar a equipe atacante, seja deixando a barreira a menos de 9.15m ou colocando a bola mais para trás.”

Com tais instruções e passadas de modo muito firme combatíamos a arbitragem fraca; de conveniência; injusta e antiética, enfim.

Lembra-se que arbitrar futebol, como toda profissão, exige assunção de risco, de responsabilidade, dos quais os profissionais éticos não podem fugir por conveniência pessoal, por covardia, enfim.

A se conceber tão desastrosa e grave filosofia, os árbitros seriam convidados a serem fracos mentalmente; a se acomodarem; e a decidirem contra o próprio futebol e a essência da arbitragem.

Disso resulta que o Sr. Sandro Meira Ricci, conquanto seja livre para pensar e agir ao seu bel prazer, está causando dano à arbitragem brasileira e descumprindo o objetivo de sua função, que outro não é senão o de ajudar os árbitros a evoluírem, mostrando-lhes o caminho da correção técnica e, por principal, o da ética, sem que, como fazemos, inclusive nesta coluna, deixar de apontar os equívocos cometidos e suas possíveis causas.

O comentário do Sr. Sandro Meira Ricci, mais uma vez esperando ajuda de Deus, não pode contaminar a mente dos éticos árbitros do Brasil, que, conquanto cometam erros, seguramente, não têm origem em princípio tão lamentável!

É oportuno, nesse passo e por fim, alertar a Comissão de Arbitragem da CBF para que não permita que nossos árbitros sejam influenciados por tão deplorável exemplo, inclusive por alguns comentários técnicos descabidos e que ferem as regras do jogo, como, aliás, já registramos em outras colunas.

A Rede Globo, compromissada com seu papel de formadora de opinião, não pode consentir que desastre antiético de tal ordem passe em branco e possibilite que o torcedor imagine que nossos árbitros não são dignos. Uma providência haverá de ser tomada.

A afirmativa do Sr. Sandro Ricci, porque atinge negativamente toda a coletividade da arbitragem, também diz respeito diretamente à Associação Nacional de Árbitros de Futebol-ANAF.

Não, não haverá enterro da ética, pois a ética não morreu e não morrerá, conquanto apenas para os árbitros de boa-fé; com boa índole; de formação elevada; com espírito puro.

Jogo 2

Red Bull x Cuiabá – Penal marcado erradamente

O tiro penal marcado contra o Red Bull Bragantino, na disputa entre seu goleiro e um atacante adversário não ocorreu.

Embora o lance seja de fina interpretação, o que, de logo, deveria impedir o VAR de atuar, a decisão final foi errada.

Primeiramente, deve ser dito que a imprudência prevista na regra, para que uma falta se configure, não decorre pura e simplesmente da existência de contato entre os jogadores, mas de uma ação praticada pelo suposto infrator que não seja pura para jogar a bola ou, ainda, em que seja possível ao jogador antever que se não jogar a bola atingirá o oponente. Tudo por ser certo que apenas o fato de haver contato não significa, necessariamente, ocorrência de falta.

Sendo assim, porque, no caso, a bola estava absolutamente dividida entre o goleiro e o atacante, não se poderia impedir que qualquer deles impulsionasse sua perna, seu pé para tentar jogar a bola. Logo, quando ambos os jogadores atuam com tal objetivo e em tais circunstâncias, o simples contato, sem outros elementos, não caracteriza falta, até porque se se considerasse como faltoso o contato provocado pelo atacante no goleiro e se se marcasse falta daquele, a conclusão seria a de que ambos teriam atuado de forma imprudente.

Logo, se, no caso, tanto o atacante quanto o goleiro agiram de forma igual, simultaneamente e pretendendo jogar a bola, nenhum deles atuou com imprudência.

Mas não é só. O mais importante de tudo é que foi o atacante quem provocou o contato, pois colocou seu pé não na direção da bola, mas na direção do pé do goleiro, com objetivo de impedi-lo de tocar na bola. Tendo sido assim, o provocador do contato não poderia ser beneficiado com a infração, conquanto, igualmente, não tenha praticado falta, uma vez que a tentativa de proteger a bola é própria do futebol. Em resumo e como dito, ambos os jogadores atuaram de modo permitido pela regra.

Não fora assim, a falta, se houvesse, teria sido do atacante, pois seu pé foi acima do nível do pé do goleiro, tanto que o VAR, ao analisar o lance inicialmente afirma: “O atacante pisou no pé do goleiro”. O áudio do lance é claro.

Para finalizar e em harmonia com tudo que foi dito, ainda observamos que o atacante não tinha a posse da bola e que, assim, sua queda não lhe causou sequer dano tático (perda da posse da bola).

Concluindo, afirmamos que o VAR atuou mal, tanto porque não tinha elementos para definir se houve erro, muito menos erro claro, óbvio, como, principalmente, porque, ao sugerir a indevida revisão, contradisse toda sua própria análise, além do que deixa transparecer que o VAR serviria para uma segunda oportunidade, contrariando o Protocolo do VAR. A análise equivocada do lance também ocorreu pelo árbitro, ao contrariar sua decisão inicial e ai não considerar os elementos ora postos.

Tiro penal marcado indevidamente.

Jogo 3

São Paulo x Botafogo – Penal e expulsão corretos – Atos de indisciplina

Foto: Vitor Silva/Botafogo

Apesar de o tiro penal marcado contra o São Paulo e a consequente expulsão de seu defensor por impedir uma clara oportunidade de gol, com falta de segurar o adversário, serem indiscutíveis e a decisão da arbitragem, com auxílio do VAR, haver sido correta, é imperioso que se registre o lamentável e verdadeiro “circo” que se formou, quando o árbitro se dirigia para a área de revisão.

Ao lado disto é preciso ser dito que Jean Pierre, que atravessa boa fase, foi absolutamente frágil disciplinarmente para controlar o incidente, que somente teve solução, embora muito tardiamente, por conta da atuação dos treinadores de ambas as equipes, principalmente de Rogério Ceni, pois se não fosse sua atuação, os jogadores do São Paulo persistiriam, não se sabe até quando, praticando a mais elevada atitude antidesportiva.

A fragilidade disciplinar de Jean Pierre se revelou mais acentuada no momento em que Rafinha, após ser punido com Cartão Amarelo, em elevada ação de indisciplina e desrespeito à arbitragem, chutou a bola para longe, mas que ficou por isso mesmo, em que pese o 4º árbitro haver atuado como deveria: informou o árbitro da ação do jogador, que, portanto, merecia o segundo Cartão Amarelo e, por conseguinte, a expulsão. Mas Rafinha não parou por aí. É que após o jogo ele ainda se dirigiu ao árbitro de modo agressivo – seus gestos foram claros –, mas, uma vez mais, não sofreu qualquer punição.

Não se pode deixar de registrar, assim, que a falta de profissionalismo dos jogadores no Brasil é de tal ordem grande que até se tem impressão de que eles desejam impedir o árbitro de analisarem as imagens no monitor. Não bastasse, ainda pretendem interferir nas correspondentes decisões.

Tudo o que é de todo lamentável e exige uma ação efetiva e enérgica da CBF, principalmente de sua Comissão de Arbitragem, pois o Brasil não tem sido paradigma a ser seguido no particular, em especial porque tem revelado inércia de seus árbitros.

Os danos de atos que tais não podem persistir.

Série-B – 34ª Rodada

Jogo 1

Bahia x Brusque – Cartão Amarelo indevido para Daniel, do Bahia

Como já registramos, uma arbitragem não se revela positiva ou negativa apenas na razão direta dos acertos e erros em lances de gols, pênaltis e cartões vermelhos. A condução da partida como um todo é igualmente importante, sobretudo em relação à aplicação de Cartões Amarelos.

Nesse passo, registramos o erro de André Castro ao punir Daniel do Bahia com Cartão Amarelo, por não respeitar a distância de 04m do local da execução de um bola ao solo.

De fato, pois, conquanto tal distância deva ser observada, uma coisa é o jogador estar em um local próximo de onde o árbitro vai executar o bola ao solo e outra, bem diferente, é o jogador estar distante de tal ponto e dele se aproximar.

No caso, foi a primeira hipótese que ocorreu: Daniel estava próximo do local onde o bola ao solo seria executado. Sendo assim, cabia ao competente e experiente André Castro, determinar que Daniel se afastasse.

Todavia, em vez da assim agir, André Castro deu as costas para Daniel e executou o bola ao solo muito próximo do jogador, que correu para a bola e obteve sua posse, como era natural que o fizesse.

Desse modo, o correto, já que foi o árbitro quem deu causa ao alcance indevido da posse da bola por Daniel, seria a repetição do reinício do jogo, mas sem punição do jogador.

Tudo porque é do árbitro o dever de verificar se as exigências da regra estão sendo atendidas para autorizar os reinícios do jogo, como ocorre nas faltas com barreira etc., valendo dizer que neste caso essa obrigação fica aumentada, pois é o próprio árbitro quem executa o reinício.

O resumo do incidente, portanto, é que a interferência do árbitro no jogo, que a regra objetiva impedir – ao determinar sua paralisação e reinício com bola ao solo quando a bola toca no árbitro e houver vantagem para qualquer equipe –, terminou ocorrendo neste caso, conquanto no aspecto disciplinar, pois o incidente foi provocado pelo árbitro, uma vez que era dever seu, repita-se, adotar as medidas necessárias, para evitar irregularidade no lance.

André Castro, assim, agiu mal e puniu Daniel indevidamente. Faltou sensibilidade.

Que esta análise sirva de exemplo e de motivação para André agir conforme a regra no futuro, tanto atuando preventivamente, como usando o bom senso e não transferindo responsabilidade.

Um Cartão Amarelo aplicado indevidamente é dano elevado.

Jogo 2

Tombense x CRB – Tiro penal não marcado

O tiro penal não marcado a favor do CRB no final do jogo foi claro e Rodolfo Toski errou, apesar de ter tido a oportunidade de se redimir, pois houve revisão.

Com efeito, hoje é indiscutível que se um jogador estiver em ação de bloqueio o toque da bola em sua mão/braço, que não esteja colada a seu corpo, é quase sempre faltoso, pois em tal situação o jogador tem tempo e espaço para evitar o contato.

Logo, porque neste caso o jogador poderia ter evitado o contato, o tiro penal se caracterizou.

Note-se que o defensor, apesar de não estar com seu braço muito separado do corpo, estava aberto o suficiente para que a bola tocasse nele e a bola fosse bloqueada, caracterizando prejuízo tático do CRB.

Não bastasse, o lance ainda tem a peculiaridade de se indagar se o goleiro do Tombense, caso não houvesse o bloqueio da bola, poderia defender sua meta, pois a velocidade da bola e sua posição conduzem à impressão de que não havia tempo para tanto.

Desse modo, o tiro penal também se caracterizaria, ainda que o toque da bola no braço do defensor fosse claramente acidental, em que pese o arbitro dever ter convicção absoluta de que o goleiro não alcançaria a bola.

Essa certeza, porém, para a situação não foi alcançada pelo árbitro porque a câmera usada – 16:50 oposta – não tinha o devido ângulo para a jogada.

Desse modo, falharam o VAR e o árbitro, pois a câmera adequada para o lance era a do gol oposto, mas que não foi usada.

Sendo assim, detecta-se que a Comissão de Arbitragem da CBF precisa intensificar os treinamentos, de modo a que o VAR e os próprios árbitros saibam as câmeras que têm os ângulos de visão que podem solucionar os lances complexos.

Note-se, por isso, que uma coisa é não ter imagem clara, outra é não selecionar as câmeras corretas, o que é imperdoável.

Ao leitor, a palavra final.

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