
Série-A – Rodada 32ª Rodada
Antes de analisarmos os lances de ordem técnica e disciplinar dos jogos adiante, julgamos oportuno nos referirmos às causas e aos meios pelos quais podemos evitar os deploráveis incidentes do último domingo, que ocasionaram encerramento precoce de duas partidas.
As brigas, invasões de campo e agressões ocorridas nos jogos entre Sport X Vasco e Ceará X Cuiabá são fruto do espírito de violência de nossa sociedade, que ultrapassa os limites do futebol, em que pese a acanhada organização de nosso esporte também contribuir de modo significativo.
Sendo assim, embora seja mínima a esperança de nossos governantes investirem na educação de nosso povo, que deve ser baseada em princípios éticos, de civismo, de consciência de direito e de dever, de solidariedade e de empatia com os desfavorecidos, não podemos esmorecer e devemos agir para que o esporte alcance seus objetivos cultural, de entretenimento e negocial com ética.
De pronto, relativamente ao incidente de Recife, a polícia militar de Pernambuco, antes de tudo, precisa responder à sociedade sobre o que foi feito com o agressor da bombeira.
De seu turno, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva-STJD precisa adotar medidas preventivas sobre a presença de público e mandos de campo do Sport e do Ceará, além de decidir, com a urgência que os casos requerem, sobre os resultados de ambas as partidas.
Além do mais, deve adotar orientação preventiva sobre os locais das comemorações de gols, que devem ser feitas à frente, quando houver, das respectivas torcidas.
O STJD também deve considerar, a priori, os efeitos da indevida ação de um jogador do Vasco, que arremessou uma cadeira, em ato de brutalidade, porque tal ato pode ter tido efetiva influência na ação dos torcedores, conquanto de todo indevida.
Nosso quadro, não apenas por conta destes incidentes, mas de muitos outros e que receberam benevolência de todos os lados, estão a exigir que as autoridades de todos os níveis, inclusive governamentais, realizem uma força tarefa de urgência, a fim de prevenir as ações da espécie, valendo lembrar a eficácia do relatório do magistrado Peter Murray Taylor, encarregado de propor medidas para sanar os problemas com os hoolligans, que envergonhavam a Inglaterra, como hoje temos vergonha nós de nossas ações. Leis lenientes são o maior estímulo para a desordem.
De outro lado, apesar de a arbitragem não haver contribuído diretamente para as indicadas ações, o setor não pode isentar-se completamente de responsabilidade, porquanto temos vivenciado uma cultura de tolerância com o intolerável, que incentiva os excessos dos jogadores e membros de comissões técnicas, alimentados, talvez, pela ideia de que os atletas e dirigentes são os protagonistas do espetáculo e que mesmo quando os árbitros cumprem as regras do jogo são considerados “ladrões” desse tal protagonismo!
Desse modo, tanto o setor de arbitragem, como os dirigentes esportivos e governamentais precisam conjugar esforços para afastar esse estado de coisas, que macula nossa imagem e para o que o apoio da mídia é indispensável.
Prova de uma das fragilidades da organização do nosso futebol é o Regulamento Geral de Competições-RGC da CBF.
Com efeito, de acordo com os artigos 19 e 20, combinados como o 7º e 54 do RGC, mesmo sendo incontroversos a responsabilidade dos clubes mandantes pelas brigas, pelas invasões de campo e pelas impossibilidades de prosseguimento das partidas, a CBF não pode declarar os vencedores, pois tal encargo, à semelhança de Pilatos, foi transferido ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva-STJD.
Ora, se, como nos casos, se trata de claro e grave descumprimento do Regulamento da Competição, não há razão qualquer para a CBF eximir-se de tal responsabilidade. O RGC, no particular, é uma clara fuga de responsabilidade, talvez por medo das consequências políticas.
Como se não bastasse, o RGC ainda encerra um erro de elevada gravidade, ao assegurar, além da vitória, a vantagem mínima de 03 gols para a equipe que não der causa ao incidente.
Nada mais absurdo e errado!
De fato, pois, sabendo-se que o saldo de gols é critério de desempate, os 03 gols, que ora são atribuídos à equipe que não der causa ao incidente, podem interferir, diretamente, na classificação desta equipe (a declarada vencedora) em relação a uma terceira não envolvida na partida suspensa ou não realizada, o que não é razoável, não é concebível, pois.
Mas não é só. O certo, ainda, é que, contraditoriamente, o limite de 03 gols pode até beneficiar a própria equipe que deu causa ao incidente, caso seu saldo de gols seja de 04 ou mais, comparada ao saldo de uma outra equipe concorrente.
Não se sabe, assim e portanto, como, de onde e com base em que esse placar de 0X3 ou de 3X0 foi inserido no RGC da CBF.
Em conclusão, uma vez mais e como já sugerimos de modo reiterado à Diretoria de Competições da CBF, quando erámos empregados da Casa como dirigente de arbitragem, entendemos que as soluções éticas e, pois, corretas, para ambas a situações, deveriam ser estabelecidas das seguintes formas:
a) A CBF, diante de fato incontroverso sobre a responsabilidade de uma das equipes pela não realização ou pela suspensão de uma partida, deve declarar a outra vencedora, atribuindo-lhe apenas os 03 pontos, sem qualquer número de gols, salvo se o placar, no momento da suspensão da partida, for favorável à equipe declarada vencedora, hipótese em que os gols marcados e sofridos devem ser considerados, com o que se respeita o resultado do campo;
b) A equipe que der causa ao encerramento ou não realização de uma partida será considerada perdedora pelo placar que a coloque em desvantagem com qualquer equipe que concorra com ela por saldo de gols; e
c) Esclarece que o benefício que uma terceira equipe pode obter com o disposto na letra “b” acima decorre do fato de não ser ético que a ação da equipe que der causa ao incidente possa beneficiá-la, justamente por não ser possível saber qual seria o placar final da partida não realizada ou suspensa, até porque o saldo de gols da equipe responsável pode ser igual ou superior ao das demais concorrentes e sua ação ser deliberada.
Essas sugestões, com certeza, desestimularão as práticas da espécie, pois sabendo do rigor da pena, que, inclusive, pode chegar ao rebaixamento ou eliminação do clube responsável, será um freio eficaz e um caminho rumo à civilidade, ao respeito.
Passemos, agora, aos jogos com lances controversos.
Jogo 1
Flamengo X Atlético MG
Tiro penal inexistente
O lance foi claro de não infração, pois o toque da bola no braço de Varela, do Flamengo, foi indiscutivelmente acidental, uma vez que o jogador estava de costas; se protegendo de um possível contato físico; sequer viu a bola; e, acima de tudo, porque não houve qualquer prejuízo tático para o Atlético Mg.
Por ter sido assim, a análise deste lance só se justifica para revelar, uma vez mais, o completo desconhecimento do protocolo pelos atores do futebol.
Com efeito, o jogador Hulk, do Atlético Mineiro, ao conceder entrevista afirmou que “se o lance era de interpretação, cabia ao VAR convidar o árbitro para revê-lo” (as palavras podem ter sido distintas, mas o conteúdo foi igual).
Nada mais errado. De fato, pois o VAR só pode e só deve recomendar uma revisão quando, segundo sua interpretação e quando haja imagem clara, concluir que um erro claro, óbvio foi cometido.
Por outro lado, o árbitro, mesmo estando em dúvida sobre se sua decisão foi certa ou errada não pode, absolutamente, iniciar uma revisão. A referência do protocolo neste sentido é para deixar claro que só o árbitro pode iniciar uma revisão, mas que isto só pode ocorrer se houver recomendação do VAR. Nunca, portanto, por iniciativa do próprio árbitro e sem que o VAR tenha entendido que houve um erro claro, óbvio.
Mas o curioso da entrevista de Hulk não parou por aí. Afinal, o “privilégio” de não conhecer o Protocolo do VAR não é apenas seu, é de quase toda a comunidade do futebol, inclusive de comentaristas, como mencionaremos em uma coluna específica.
Hulk, como dito, foi além, ao proferir (igualmente talvez com outras palavras) a seguinte pérola enaltecedora de sua vaidade ou imaturidade: “o árbitro e o VAR agiram assim para aparecerem em cima de mim!”.
Santo Deus, que ego!
Jogo 2
Palmeiras X São Paulo

Lance 1
Tiro penal contra o São Paulo
O tiro penal, cometido por Calleri, do São Paulo, ao colocar a mão na bola deliberadamente e que foi marcado com ajuda do VAR é indiscutível, porque foi muito claro.
É bom dizer que a ostensividade da mão foi de tal ordem grande e inesperada para um jogador profissional que o árbitro pode ter sido surpreendido, conquanto seu dever seja estar pronto para tudo: lances complexos, difíceis e lance claros, apesar de inesperados. Não relaxar nunca. Procurar ver tudo e sempre.
O importante, todavia, é que a decisão final foi correta e que o VAR se destina exatamente a corrigir erros de tal natureza.
Lance 2
Expulsão de Beraldo, do São Paulo
Essa expulsão, tomada de pronto e com toda correção pelo árbitro de campo, sem, pois, auxílio do VAR, que, apenas, só teve o trabalho de fazer a checagem protocolar, foi outro ponto positivo da arbitragem, em especial porque a forma pronta e firme como Flávio Souza agiu facilitou o controle de jogo e, portanto, não possibilitou qualquer ação de indisciplina.
Tratou-se de falta que impediu uma clara oportunidade de gol, com todos os elementos que caracterizam o indicado efeito tático e que foram analisados de modo correto pelo árbitro e confirmado, também acertadamente, pela equipe VAR.
Loiros para a arbitragem.
Jogo 2
Red Bull Bragantino X Santos
Pênalti a favor do Santos desmarcado e expulsão correta de Lucas Evangelista, do Red Bull
Apesar de as principais decisões da partida, acima citadas, haverem sido corretas, pois o tiro penal marcado indevidamente a favor do Santos realmente não houve e a equipe VAR agiu com correção ao recomendar revisão, e porque foi imediata e correta expulsão de Lucas Evangelista, agora adotada pelo árbitro sem auxílio do VAR, opinamos que o muito promissor Paulo Zanovelli não estava em uma noite feliz.
Independentemente do erro da não expulsão de Popó do Red Bull, por segundo Cartão Amarelo, em razão de uma falta clara e que impediu um ataque promissor clássico, o que, por si só, já revelou um estado de espírito oscilante de Zanovelli, o fato é que o jovem árbitro não estava mentalmente preparado para o jogo.
Seu posicionamento; sua forma de agir; seu gestual inquieto e, às vezes, agressivo; seus diálogos com os jogadores que não produziam efeito; a formação das barreiras e posicionamento dos adversários etc. etc. apontam para uma desconcentração mental muito elevada, que chegou ao ponto alto no momento de sua ida à área de revisão no lance do tiro penal, dando as costas para a bola, que deve ser controlada a todo instante, e que possibilitou o inusitado incidente da cobrança do tiro penal, quando o árbitro
se dirigia para a área de revisão. Tudo que revela a certeza de que a noite de ontem – 17-10-2022 – não foi feliz para Paulo Zanovelli.
Tendo sido assim, embora a Comissão de Arbitragem da CBF haja prometido, mas, ao que se sabe, ainda não tenha contratado profissional da área mental para dar apoio aos árbitros a ajudá-los a superar os instantes de insegurança, cremos ser indispensável que tal apoio seja dado, o quanto antes, tanto ao indicado árbitro como a outros que, pela forma vertiginosa com que subiram na carreira, talvez estejam assustados, com nível de estresse elevado, que, portanto, precisa ser controlado.
Ao leitor, a palavra final.