No confronto pela Série B, realizado na quinta-feira, 17/10, entre América Mg e Goiás, a arbitragem brasileira mostrou, mais uma vez, sua falta de preparo. Com efeito, o gol do Goiás foi absurdamente anulado, apenas porque a bola tocou levemente na perna do árbitro, antes de chegar ao atacante para o qual foi passada por um companheiro. Tal decisão, ao lado de não atender aos requisitos textuais da regra, feriu seu espírito.
Vejamos o que a regra 09 estabelece, em síntese e em essência. Se a bola tocar no árbitro e continuar em campo, fica fora de jogo e o jogo deve ser reiniciado com bola ao chão: 1 – se, após tocar em um árbitro, a bola entrar diretamente em uma meta; 2 – se, após tocar em um árbitro, a posse da bola passar para a outra equipe; 3 – se, após a bola tocar em um árbitro for criado um ataque promissor, ou, ainda e especialmente, o que acrescentamos por óbvia consequência, se for criada uma clara oportunidade de gol; e 4 – se a bola tocar no árbitro continuará em jogo, ou seja, o jogo não será paralisado em qualquer outra situação, que não uma das 03 anteriores.
No caso sob análise, a bola, antes de chegar ao jogador para o qual foi passada, tocou levemente no árbitro, sem, sequer, alterar sua trajetória e, inclusive, as posições do atacante e do defensor que o marcava.
Vê-se, pois, que nenhuma das situações para o jogo fosse paralisado ocorreu, mas, ao contrário, a parte da regra que se aplicaria ao lance, seria, exatamente, a que dispõe que a bola permanece em jogo, como previsto no item 4 acima.
O lance, portanto, após a bola ser dominada pelo atacante do Goiás continuou como se o toque no árbitro não houvesse acontecido, pois não houve qualquer das hipóteses previstas acima, ou seja, qualquer impacto tático na jogada. Daí para frente o que houve foi a habilidade do atacante para driblar o adversário que o marcava inicialmente, evoluir na jogada e passar a bola para um companheiro seu que, com igual habilidade, marcou o gol. Tudo, desse modo, sem qualquer reflexo do toque da bola no árbitro.
A atuação VAR, Paulo Renato S. Coelho, ao recomendar a revisão do lance, demonstrou sua completa falta de conhecimento da regra do jogo e de seu espírito, no particular, além de não saber o sentido, o objetivo do VAR e de seu protocolo, pois a marcação do gol, ainda que fosse errada, jamais caracterizaria “erro claro, óbvio”, que justificasse sua intervenção.
Surpreendentemente, porém, o já experiente árbitro, Caio Max Vieira, anulou o gol, cometendo, por consequência, os mesmo erros de desconhecimento do VAR
O mais grave de tudo é que esta inacreditável decisão, ao contrário de atender ao objetivo da regra atual, qual seja, o de evitar que o toque da bola no árbitro interfira no resultado do jogo, como já aconteceu e até com marcação de gol, terminou por ferir completamente tal objetivo, pois, no caso, o toque foi irrelevante e não incidiu em qualquer das hipóteses previstas da regra, inclusive porque, sequer, provocou desvio na trajetória da bola. O objetivo da regra, desse modo, foi aplicado em sentido oposto. Foi a arbitragem que interferiu no resultado do jogo.
O erro e o desconhecimento das regras ficaram mais claros, mais evidentes porque, como o diálogo travado com o árbitro revela, o VAR não considerou, absolutamente, o impacto tático do toque da bola no árbitro, mas apenas e tão-somente indagou se o árbitro teria ou não sentido tal toque, o que era, é e sempre será absolutamente irrelevante, até porque sem o toque da bola no árbitro nada haveria para ser analisado.
Não obstante a singeleza da situação e a clareza do erro, de modo inacreditavelmente surpreendente, ainda houve comentaristas de arbitragem afirmando que a decisão teria sido correta!
O pior de tudo foi o argumento de que o gol deveria ser realmente anulado porque o toque da bola no árbitro ocorreu já na fase de ataque promissor, o que é uma verdadeira ignomínia. Deveras, pois se assim fosse, o que a regra objetiva evitar se daria exatamente ao contrário, pois toda vez que a bola tocasse no árbitro em fase de ataque promissor ou de clara oportunidade de gol, o jogo seria paralisado, independentemente do efeito tático de tal toque na jogada. Seria um desastre. Seria o próprio árbitro impedindo todo e qualquer ataque promissor ou toda e qualquer oportunidade de gol, em razão de um simples toque da bola nele, ainda que sem qualquer relevância tática.
Afirme-se, portanto, que o que importa não é a região em que ocorre o toque da bola no árbitro, mas apenas e tão somente o impacto tático causado por tal toque no jogo. Alias, tanto é assim que se ocorrer mudança da posse da bola em razão do toque no árbitro, o jogo deve ser sempre paralisado, independentemente da fase do jogo e do setor do campo em que o toque ocorra.
Admitir tal absurdo seria o mesmo que achar legítimo que a própria regra criasse interrupção do jogo, com a agravante de prejudicar tudo que uma equipe haja construído até chegar na fase de ataque promissor ou, pior ainda, de clara oportunidade de gol.
As regras não podem ser interpretadas sem conhecimento do seu espírito e muito menos da essência do futebol. Ainda que a regra seja redigida com imperfeição técnica, como no caso, cumpre ao interprete lhe dar o sentido a que se destina em harmonia com a essência do jogo.
Aguarda-se o pronunciamento da Comissão de Arbitragem da CBF, pois sua omissão até este momento, ao lado de dar a impressão de que deseja que o assunto se dissipe com o tempo, pode estimular que qualquer toque da bola no árbitro ocasione paralisação do jogo, ferindo o objetivo da regra.