
Os benefícios do VAR, por mais pessimista que se queira ser, não podem ser desconsiderados.
O assunto desta coluna, que dá início aos temas específicos sobre arbitragem, não poderia ser outro que não o VAR. Isto, tanto porque o VAR está na boca do futebolista, como porque é imprescindível que sejam prestados alguns esclarecimentos sobre a matéria, de acordo com o correspondente protocolo, de modo a que algumas injustiças e distorções sejam afastadas. Esta é a nossa esperança.
Antes de fazê-lo, porém, queremos afirmar que é de nossa autoria o projeto VAR, conquanto alguns resistam em reconhecer. Com efeito, nosso trabalho foi o único escrito e divulgado até 2009, o que se deu no “Footcom”, evento esportivo organizado por Carlos Alberto Parreira. Aliás, a própria FIFA e a IFAB – International Football Association Board não tinham nada escrito sobre o assunto até 16/09/2015, quando a CBF, na gestão do Dr. Marco Polo Del Nero, cujo presidente da Comissão de Arbitragem, da qual fazíamos parte, era Sérgio Correa da Silva, encaminhou nosso trabalho àquelas entidades, que mereceu do Sr. Lukas Brud, Secretário Geral da IFAB, os mais altos elogios sobre o conteúdo, minúcia e profundidade com que o assunto foi tratado. Tanto é assim, que nosso projeto foi inteiramente recepcionado, inclusive a filosofia da “mínima interferência e máximo benefício”, embora em outras palavras, ressalvando-se, apenas, a questão do monitor de campo, que não foi contemplado em nosso projeto, pois o que desejávamos era apenas a correção de erros absolutamente claros e provados por imagens igualmente claras, que, pois, não precisavam de revisão do árbitro. Afinal, se o erro era indiscutível, seja porque o árbitro não viu, seja porque errou grosseiramente, não havia sentido em se paralisar o jogo, exigir que o árbitro se deslocasse para o monitor e, no final, como hoje ocorre com os lances de fato, acatasse a informação do VAR. Seria pura perda de tempo!
Prestados estes esclarecimentos, cujo objetivo não é a autopromoção, mas dar a César o que é de César. Afinal, negar fato por modéstia não nos parece honesto. Passemos ao tema de hoje: VAR.
Os benefícios:
Antes de tudo, queremos, com toda força, dizer que o VAR, por qualquer ângulo que se analise, tem um saldo tão positivo, tão absoluto; trouxe tanto benefício e ética para o futebol; produziu tantos resultados legítimos; e, acima de tudo, desarmou tanto os espíritos dos que, sem qualquer base, desconfiavam da dignidade dos árbitros, que as críticas que hoje são dirigidas ao processo, normalmente, são infundadas. E infundadas por serem fruto ou de paixão, o que seria perdoável, ou, principalmente, do desconhecimento geral sobre o protocolo VAR, revelando descompromisso ou ausência de profissionalismo.
Deve ser ressalvado, todavia, que essas críticas e as imperfeições do VAR não são exclusivas do Brasil, mas de todo o mundo do futebol e, quem sabe, até com defeitos mais graves do que os nossos. A grama do vizinho é sempre mais verde!
Não obstante, as críticas que visam ao aperfeiçoamento do processo, como, aliás, faremos a seguir, são úteis e, pois, bem-vindas.
É que o processo VAR, em que pese os valiosos frutos que já foram e que continuam a ser colhidos, precisa evoluir, ser aperfeiçoado.
Os pontos a melhorar:
O primeiro e maior passo a ser dado é definir com clareza o objetivo do VAR: 1) corrigir erro claro, óbvio, que, de tão claro, não dependa de interpretação; ou 2) buscar a decisão mais acertada, entrando, assim, no campo da interpretação e interpretação ampla, como normalmente tem ocorrido, apesar de nossa ferrenha oposição, enquanto fomos gestor de arbitragem da CBF. O regime, todavia, era e continua sendo presidencial.
A falta de tal definição até os dias de hoje, apesar da referência a erro claro, óbvio, contida no protocolo VAR, tem causado as mais ferrenhas críticas ao processo. A opção pela primeira alternativa – corrigir, efetivamente, erro claro, óbvio (provado por imagem igualmente clara), a nosso ver é a ideal. Com efeito, além de evitar as constantes interrupções das partidas, limitaria a utilização do monitor a lances excepcionais, quiçá somente para controle de jogo e resgataria a autonomia e autoridade dos árbitros de campo, o que é da essência do jogo. Seria a busca do elefante e não das formigas, expressão criada e largamente utilizada por nós do Brasil, e de há muito.
Uma vez definido o real objetivo do VAR, a continuidade das ações para seu aperfeiçoamento é indispensável, destacando-se os seguintes pontos:
a) Reforço ostensivo para todos os participantes do futebol, principalmente os jogadores e integrantes de comissões técnicas, sobre a forma de funcionamento do VAR, destacando-se, dentre outros pontos, o fato de o árbitro de campo só poder fazer revisão quando o VAR recomenda, jamais por iniciativa própria, salvo, excepcionalmente, para controle de jogo, em casos de decisões de fato. Este desconhecimento tem gerado muita reclamação sem sentido, indisciplina de jogadores e punições que poderiam ser evitadas.
b) Continuidade do processo educativo dos árbitros de campo, destacando a necessidade de suas decisões serem sempre assertivas e tomadas como se o VAR não existisse. De outro passo, quando uma revisão for sugerida, desprender-se psicologicamente para analisar as imagens sem qualquer resistência ou obrigatoriedade de mudar a decisão originária, embora seja certo que, uma vez adotado o princípio do efetivo erro claro, óbvio, se o VAR atuar com correção, normalmente, a decisão originaria será mudada; assim como o VAR, os árbitros devem dominar o plano de câmeras para, caso não lhes sejam disponibilizadas as imagens ideais, solicitá-las ao operador; a recomendação de que os lances devem ser vistos nas velocidades disponíveis e sempre na velocidade normal, sobretudo para análise de intencionalidade de intensidade; além de outros aspectos;
c) Por igual, os VAR‘s necessitam de reforço sobre seus limites de atuação – erro claro, óbvio ou decisão mais justa; ter firmeza, caso a opção seja pela decisão mais justa, para saberem que a omissão é bem mais danosa para o jogo, do que uma indevida recomendação de revisão; devem realizar treinamento com o operador antes das partidas com efetiva intensidade etc.;
d) Os operadores necessitam conhecer futebol – este é um gargalo muito apertado – para lhes possibilitar compreender, por iniciativa própria, as necessidades do VAR em cada lance; devem exibir as imagens nas velocidades solicitadas sem manusear os equipamentos, ou seja, deixando a máquina atuar, pois é comum ver-se alternância de velocidades que deveriam ser iguais e em velocidade reduzida o que deveria ser mostrado em velocidade normal (exemplo desta situação foi a mão do jogador do Fortaleza no jogo com o Palmeiras, ocorrida no dia 10/07/2022) etc.
Sobre a finalidade, os limites do do VAR, o atual presidente da CA/CBF, Wilson Seneme, ainda não deixou clara a diretriz a ser tomada. Ora quer o VAR não intervencionista, ora deseja a decisão mais justa, sendo que, neste particular, segue a filosofia da FIFA, que, ao que tudo indica, pretende ampliar mais a esfera de atuação do VAR na busca da decisão mais justa.
É bom observar, todavia, que o modelo da FIFA, embora devesse ser ao contrário, nem sempre é bom para as entidades nacionais, que realizam competições longas, pois a FIFA só faz torneios curtos. Duas realidades diferentes e que, assim, devem ser tratadas distintamente.
Finalizando, reiteramos, como dito na coluna de nossa apresentação, que nosso trabalho terá sempre o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da arbitragem e do futebol.
Ao leitor, a palavra final.